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Guilherme Macalossi

Guilherme Macalossi

Opinião

Os nem tão bons companheiros

Nova proposta de reforma trabalhista estará no plano de governo da chapa entre Lula e Alckmin (Foto: Ricardo Stuckert/PT)

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Prossegue a troca de afagos e rapapés públicos entre Lula e Geraldo Alckmin. Os antigos desafetos políticos agora buscam criar o clima mais adequado para a consolidação de uma aliança eleitoral para a disputa ao Planalto em 2022. O PT já deu seu aval, dobrando as lideranças do partido que chiavam contra essa aproximação. Em evento com centrais sindicais em São Paulo, o ex-tucano, não sem alguma exaltação, chamou o petista de “maior líder popular deste país”. “Viva, Lula! Viva os trabalhadores do Brasil!”, gritou, para êxtase dos militantes presentes. Há quem chame isso de nossa “conferência de Yalta”. Resta saber a quem cabe o papel de Stalin.

Na semana passada, Lula concedeu a Alckmin o título informal de companheiro. “Daqui para a frente, você não pode mais ser tratado de ex-governador, eu não posso ser tratado de ex-presidente. Você me chama de companheiro Lula, eu te chamo de companheiro Alckmin", disse, sob os olhares de Gleisi Hoffmann e Carlos Siqueira, respectivamente presidentes do PT e PSB. Segundo Gleisi, a formação da chapa se justifica porque as disputas do passado se davam “no marco da democracia”. As declarações de parte a parte desmentem seu revisionismo histórico. Em 2017, Lula disse que a eleição presidencial contra Alckmin em 2006 não foi civilizada, e que o ex-governador de São Paulo parecia ter “mamado até os 14 anos”. Já Alckmin, no lançamento de sua candidatura presidencial em 2018, disse que a volta de Lula ao poder seria o mesmo que a volta “à cena do crime”.

Em termos publicitários, a estratégia de Lula foi sempre fazer um aceno aos centristas, avançado no eleitorado que seria da chamada “terceira via”. Assim como em 2002, quer parecer moderado. Com isso, busca isolar Jair Bolsonaro no extremismo de direita. Mas sua natureza o trai, como evidenciam as declarações dadas no início do mês num encontro da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em que, defendeu o aborto, atacou a classe média e instigou seus partidários a pressionarem parlamentares e seus parentes em suas residências. Nada disso pode ser tipo como sinal de moderação.

Antes disso, Lula também já defendeu reiteradas vezes a necessidade de regulamentação da mídia. Como nunca especificou no que sua proposta consiste, restou a especulação de que se trataria de uma tentativa de censura aos moldes do que foi feito na Argentina de sua amiga Cristinha Kirchner. Na época em que era presidente, é bom lembrar, o PT tentou, de todas as formas, criar um Conselho Nacional de Jornalismo. À época, apoiadores mais radicais do governo sonhavam com uma intervenção pesada com vistas a conter o que chamavam de “Partido da Imprensa Golpista”. Foi a pressão da sociedade que brecou o projeto de inspiração autoritária.

É necessário questionar se esses posicionamentos polêmicos de Lula são compartilhados por Alckmin. Cumpre saber também se o ex-tucano defende a revogação da Reforma Trabalhista e a Lei do Teto de Gastos, que, no passado recente, defendeu.

A política é, por óbvio, a arte de conciliação entre os diferentes. Mas uma aliança desse tipo também pressupõe que ambas as partes cedam. Afinal, pretendem governar juntas. No que Lula cedeu até aqui? O que vimos no encontro sindical dessa semana foi um Alckmin emulando o espírito e o discurso do líder petista. Lula, por sua vez, continua o dirigista e hegemonista de sempre. À medida que as eleições se aproximam, questionamentos sobre essas contradições e incompatibilidades vão se avolumar, ainda mais com tantos fatos históricos gritantes. E não vai adiantar desviar a atenção com a simplificação de que tudo se justifica pela “saúde da democracia”. Após o resultado pleito haverá um país a espera de uma agenda. É preciso descobrir se Lula e Alckmin são tão bons companheiros assim. Até aqui, apesar do esforço, não parece que sejam.

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