Inundação no centro histórico de Porto Alegre.| Foto: EFE/André Borges
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Um bueiro vertia furiosamente na rua Luiz Afonso no bairro da Cidade Baixa, região central de Porto Alegre. Espantados e impactados com a cena, moradores corriam para deixar o local, apenas alguns dias depois de terem retornado após semanas de enchente. Alguns nem bem tinham tirado o lodo de suas casas e comércios. A contabilidade dos prejuízos foi interrompida por outra cheia, essa decorrente das chuvas intensas que atingiram a cidade no último dia 24 (quinta-feira). O volume inédito de precipitação sobre um sistema de esgotamento já exaurido criou a tempestade perfeita. Enquanto a água subia, a cidade colapsada vinha abaixo.

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Mesmo bairros que ainda não tinham sido atingidos acabaram alagando. A avenida João Pessoa, que corta a cidade vindo do sul até o Centro Histórico, submergiu nos limites do Parque da Redenção. No bairro Cavalhada, na zona sul, o transbordamento de um riacho levou a evacuações dramáticas. Uma operação militar foi necessária para tirar 20 crianças e 10 funcionários ilhados em uma escola. Diversas vias fundamentais ao fluxo de veículos acabaram obstruídas por buracos que se abriam com o solo se liquefazendo ou pelas bocas de lobo entupidas. Com as pessoas indo e vindo sob condições limitadíssimas, os congestionamentos nas vias alternativas restantes se multiplicaram.

Na coletiva de imprensa concedida na tarde do dia fatídico, o prefeito Sebastião Melo era o retrato da prostração. Ao lado de auxiliares, se postou arqueado, como se todo o peso do volume de água do Guaíba estivesse sobre sua cabeça. Sibilou respostas e deixou o falatório técnico para o burocrata de plantão. Nada dito parecia ter lá muita consistência. Moradores afastados de seus lares em bairros ainda inundados não tiveram uma data para a normalização das condições. O que sobra na falta de qualquer perspectiva é a indignação, que tende a aumentar na medida em que o caos se torna cotidiano.

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Melo ressaltou que era necessário “revisitar” o sistema de contenção de enchentes. Deveria tê-lo feito antes. Paga o preço de não agir preventivamente. Um dia antes da chuva que ampliou os danos na capital, ele apontara como “narrativa política” um documento de 2023 assinado por engenheiros do Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE) apontando problemas nas unidades de bombeamento de água pluvial e cobrando providências urgentes. Porto Alegre já havia sido testada recentemente, mas pouco foi feito para aprimorar o que era primordial.

Construído nos anos 60 como resposta a uma enchente datada de 1941, o sistema de prevenção de Porto Alegre é composto por diques que falharam, um muro que precisa ser vedado com sacos de areia e portões acionados à mão porque seus motores foram furtados. Uma estrutura absolutamente defasada, ainda mais considerando a nova realidade climática, que impõe fenômenos meteorológicos fortes em janelas de tempo cada vez mais curta. O vale do Taquari foi arrasado nada menos que três vezes em pouco mais de oito meses.

A chuva que caiu na capital gaúcha na quinta-feira era prevista desde o dia 20. Mesmo assim aulas não foram interrompidas, nem houve alerta para que as pessoas ficassem em casa e se resguardassem de deslocamentos. A falta de antecipação de eventos potencializa os desastres naturais. “Revisitar o sistema”, como disse Melo, obriga um planejamento metódico de longo prazo. Mas como imaginar que isso possa ser possível se não há estratégia preventiva mesmo em ações pontuais e paliativas? Fica claro que um colapso tão abrangente não se constrói ao acaso.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]