Cartum de Boardman Robinson. 1916. Domínio Público. | Foto:

No documentário The Music of Strangers, o violoncelista Yo-Yo Ma faz uma interessante (e melancólica) reflexão sobre sua carreira. A certa altura, ele notou que nunca lhe deram, de fato, a possibilidade de escolher.

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Prodígio musical desde sempre, percebeu-se sufocado pela música antes mesmo de se perceber como gente, escravo ou refém do próprio talento (e da exposição desse talento).

Por consequência, precisou reafirmar sua vida, já que não teve opção a ela; teve de aprender a gostar (e a encontrar o sentido) da escolha que não fez. A fama, o prestígio e a glória são, para a maior parte das pessoas, cenouras dependuradas num horizonte que parece tão próximo e tão distante.

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Somos os burros atrás da cenoura inalcançável. Mas a lição de Yo-Yo Ma é a seguinte: talvez não queiramos ou não precisemos de tantas cenouras. É possível que a cenoura não seja tão saborosa assim.

Escrevo isso depois de ler, na revista Veja, reportagem sobre certo produtor artístico que ministra cursos –para crianças – sobre como atingir a fama. Ele, aspas, descobre jovens talentos. Ou assim promete.

Há uma pré-seleção, devidamente paga. Os meninos e meninas que porventura não forem tão incapazes para o estrelato passam à fase seguinte, regiamente paga. E assim por diante. Tudo para conseguir o treinamento oferecido pelo produtor, que segura a cenoura à frente dos burrinhos. Toda a pantomima é patrocinada pelos burros, minto, pelos pais das respectivas.

Isso me causa desconforto, confesso. Não pelo dinheiro envolvido, nem mesmo pela organização empresarial em torno das expectativas alheias. Por outro motivo. Pelo motivo que faz um gênio como Yo-Yo Ma questionar seu destino, pelo motivo que inspirou o escritor carioca (infelizmente tão esquecido) Gustavo Corção, numa belíssima crônica de que me lembro sempre, e que serve até hoje: Os meninos se matam.

Em meados dos anos 50, aqueles anos que precederam tantas mudanças e tantas frustrações, um menino se matou, no Rio de Janeiro. Os tempos eram outros, e um suicídio ainda era capaz de aparecer – e comover – nos jornais. O menino se desiludira com o amor – naquele tempo havia quem sinceramente se desiludisse! – e resolveu pôr fim à vida. O triste episódio chamou a atenção de Carlos Drummond de Andrade, que lhe dedicou uma crônica.

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Crônica que foi respondida prontamente por Gustavo Corção. Enquanto o imenso poeta de Itabira dizia, na crônica, que alguém teria de ter consolado aquele menino e o levado à praia, lhe oferecido um sorvete, lhe dito duas ou três palavras alegres, Corção diria o contrário. Para o carioca, o que faltou ao menino – e a quem quer que lhe tenha tentado ajudar – foi a experiência e a sabedoria da tristeza.

Teria sido bom, para o menino, aprender o quanto antes na vida que as tristezas são muitas, as expectativas são frustras, os amores acabam, a solidão tem lugar. É importante, para qualquer menino e para qualquer homem, aprender desde cedo que na vida há lugar para a dor e para o anonimato. Aceitar isso, refletir sobre isso, é tão ou mais importante que ser feliz.

Nem todo garoto ou garota, nem todo homem ou mulher, terá fama, fortuna, amor de cinema, sucesso. Mas a Cruz ainda vale mais que as cenouras que almejamos. E, de resto, a Cruz não está à frente: nós já a temos nas costas, já a carregamos todos os dias, ela já nos faz companhia.