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Manifestações no Chile. Foto Pedro Ugarte/AFP
Manifestações no Chile. Foto Pedro Ugarte/AFP| Foto: AFP

O que está acontecendo no Chile? Eu não sei, para ser sincero, e quem disser que sabe estará mentindo. Aposentemos as certezas, portanto. Protestos violentos, depredação de patrimônio público e privado, agressões e mortes são os efeitos que se veem de causas que não se veem (e nem se compreendem).

Intérpretes da direita atribuem o caos à esquerda: a balbúrdia seria uma espécie de sabotagem com fins políticos muito determinados. Analistas de esquerda se apressam no diagnóstico fácil: tudo se deve ao esgotamento do modelo liberal, que deixou desamparadas milhares de pessoas.

Os indicadores apontam o Chile como o país que mais cresce na América do Sul. Se o Brasil fosse um pouquinho mais chileno, soltaríamos fogos – e não tocaríamos fogo – nas ruas. Números são números, dizem alguma coisa. Por outro lado, é leviano atribuir tais manifestações a terroristas, a militantes de esquerda ou a forças de oposição que pretendem implodir a ordem política para ascender ao poder.

É possível que não exista uma explicação, uma causa, um motivo, um gatilho, mas muitas explicações, causas, motivos, gatilhos. É provável que a colisão de indivíduos e coletivos, a interação de grupos diferentes entre si e a combustão de ofertas e demandas venham a provocar, com mais frequência, trepidações sociais como essas em todo o mundo. Isso, aliás, já tem acontecido mesmo.

Ora, o Chile é um caso. Se a as necessidades não atendidas num modelo liberal provocaram revoltas, como se explicam as revoltas na Venezuela? A não ser que falemos de um neoliberalismo venezuelano. O que dizer das difusas e confusas manifestações brasileiras, que começam em 2013, com protestos a favor da exacerbação de um governo que era a causa de protestar? E as seguintes manifestações contra esse mesmo governo, que dá lugar a outro, que por sua vez terá nas ruas protestos contra e a favor de si?

Pois se o liberalismo chileno gera tamanha insatisfação, quem explica o mal-estar com o bem-estar social francês, que tem resultado em insatisfação ainda maior e mais frequente? E as revoltas na Rússia? E as da China? E a Primavera Árabe, que terminou em inverno e inferno? Fora o que vemos, e ainda veremos, na Argentina, que trará de volta a política que levou o país ao colapso e motivou a eleição do atual presidente, que também não soube ser alternativa.

Depois das tradições, das revoluções, dos extremos, dos impérios e do capital, vivemos a era dos protestos. A lógica da representação política se aproxima do esvaziamento, o que não me parece nada bom. Quem hoje comemora qualquer insurreição popular, talvez amanhã chore a eleição de fascistas de esquerda e de direta. Não nego nem menosprezo o direito à rebelião, por óbvio, mas temo as consequências da uma certa demagogia.

A comunicação por meio das novas mídias, e o encontro inamistoso entre eleitos e eleitores, entre populares e populistas, cria condições para um tipo de interação política que sacode os alicerces das velhas estruturas e questiona toda e qualquer hierarquia, como se houvesse uma reconfiguração de nível mais profundo, quase antropológico, para além do imediatamente sociológico, na dinâmica simbólica das sociedades e das instituições. O que resultará disso ninguém sabe. Eu não sei.

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