Enfim, Lula está livre. Na verdade, já podia estar livre, em regime semiaberto, mas preferiu esperar pela decisão do STF sobre a prisão em 2ª instância, ou por uma suposta anulação da sentença em virtude das indiscrições processuais de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol.
Não me atenho aos meandros jurídicos da soltura, discutidos tantas vezes aqui e algures; miro no prognóstico político.
É democraticamente instrutivo ver Lula sair da cadeia. Cheio de ira santa, caprichou no messianismo. Cada palavra foi escolhida com esmero pavloviano para disparar a produção de saliva dos correligionários, numa retórica simplista mas eficaz o bastante para arregimentar a militância e seduzir os artistas-de-aluguel. De resto, um aceno aos pobres “tirados da pobreza ” e enfiados nela de volta pela sua afilhada política.
A propósito, lembremos que esse festejado combate à pobreza consistia em crédito barato, banqueiros enriquecidos, estímulo ao consumo, aumento do gasto público, prestidigitação fiscal, aparelhamento do Estado, impostos suecos, serviços sudaneses, Mensalão, Petrolão, Celso Daniel, bilhões de reais pra cá, bilhões de reais pra lá, lista da Odebrecht, recessão profunda, derrocada econômica.
Ao contrário do que parece, acredito que a reação catártica que eletrizou do Leblon ao Chuí, as manifestações de figuras que andavam amuadas nos comitês e na mídia sugerem que a esquerda brasileira, que lutou nos Anos de Chumbo contra um chumbo em favor de outro, está com os dias contados.
Está com os dias contados porque Lula transformou o petismo em lulismo, e o lulopetismo circunscreve toda a imaginação da esquerda em seus domínios. Nada escapa desse Dom Sebastião nascido em Garanhuns. Não surgiram nomes que pudessem renovar o pensamento da socialdemocracia, longe de qualquer pretensão autoritária ou antidemocrática. Minto: surgiram alguns bons nomes, Ciro Gomes não é um deles, mas foram jogados ao mar na acidentada – e criminosa – trajetória do Partido dos Trabalhadores.
O ressurgimento de Lula é o sinal de que Lula é o começo, o meio e o fim de uma certa experiência demagógica que prometeu se contrapor ao patrimonialismo nacional, mas se converteu numa de suas mais obscenas versões. Sua mitificação se confunde com a pura e simples mistificação, e terminará num beco-sem-saída representativo e eleitoral muito em breve. Quando não houver mais Lula – haverá quem? Haverá o quê? Quais são as ideias, quem são os líderes, quais são as alternativas, quem propõe um projeto na esquerda pós-Lula?
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