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Desde as últimas eleições presidenciais americanas e brasileiras, entre debates e embates, uma questão se transformou no centro das atenções de intelectuais, jornalistas e políticos: o papel da chamada “grande imprensa” e das corporações de mídia.

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Existem motivos para desconfiança. Empresas influenciam o comportamento político, ético e cultural de muita gente, e fazem isso com intenções nem sempre das mais nobres. Querem – precisam – vender seu produto; o produto é a notícia, o furo, a opinião.

Some-se o fato de que a Internet (Thank Lord!) descentralizou a produção e o consumo de conteúdo às tendências conspiratórias de muita gente, e temos a tempestade perfeita: eles – por “eles” entenda-se: os jornais e seus donos – sempre nos manipularam e querem continuar manipulando.

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O resultado é previsível: o senhor de meia-idade deixa de acompanhar a coluna do Elio Gaspari para conceder minuciosa atenção àquilo que um gordinho morando em Carapicuíba escreve do fundo do quarto, com os dedos engordurados de Cheetos e o pâncreas saturado de bebidas energéticas.

Até aí, tudo bem. Críticas são críticas e quem está na chuva, diria Vicente Matheus, é pra se queimar. O problema é que, aos poucos, essa crítica (pontual e positiva) vai se transformando numa condenação (generalizada e negativa) a todos os jornalistas e, principalmente, à imprensa em si mesma considerada.

Não se trata mais de acusar, apontar, enquadrar este ou aquele grupo de comunicação, este ou aquele colunista, mas sim de rejeitar a ideia de que as empresas de comunicação jornalística possam ter algum valor na sociedade democrática. Isso me parece equivocado e, de certa maneira, suspeito.

O ecossistema por onde se movimenta a mídia alternativa – os blogs e os jornalistas de opinião ditos independentes – é, justamente, o da grande imprensa. Noutras palavras: a larga produção de conteúdo continua a ser o ponto de referência a partir do qual os independentes e alternativos constroem suas análises.

Falo por mim: não sou jornalista, repórter, redator. Posso dizer com o poeta: não sou nada, nunca serei nada, não posso querer ser nada; à parte isso, escrevo, na imprensa, opiniões sobre política e cultura. Meu trabalho depende do conteúdo jornalístico “convencional”. Dele posso me aproximar ou me afastar; discordar mais que concordar; criticar mais que aplaudir. Mas é em torno dele que me reconheço (e, se for o caso, me diferencio).

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Qual seria – qual será, talvez, num futuro – a alternativa a isso? Mistérios. Com o fim da grande imprensa, fim este desejado por muitos e temido por outros tantos, quem por exemplo fará a cobertura dos eventos em Brasília ou em Nova York: o gordinho de Carapicuíba?

Talvez o leitor independente (muitos leitores são independentes até da necessidade de leitura) desconheça que figuras como o (sério) linguista e (nada sério) filósofo político Noam Chomsky dedicou grande parte da vida a denunciar a mesmíssima coisa: toda a imprensa é comprada, vendida, alugada. Nos mesmíssimos termos e com a mesma urgência com que pensadores de direita hoje acusam e denunciam a imprensa. Não é engraçado? Basta trocar os nomes dos envolvidos – réus e vítimas – que a história continua tal e qual.

É sintomático o fato de que toda essa mídia alternativa se apresse a aderir, a se aproximar, a muitas vezes flertar, com o governo que ora lhe apetece. O gordinho de Carapicuíba acusa todo jornalista de ser petista e vendido ao governo, mas é o primeiro a bajular o político em quem votou.

Uma imprensa alternativa, independente, para ter razão de existir, tem de ser… alternativa e independente. De que adianta rechaçar a imprensa chapa-branca para fazer parte da imprensa alternativa chapa-branca? É o que tenho visto por aí: enxames de blogs governistas apareceram com o novo governo. Se isso é fazer parte da imprensa alternativa, fica tudo mais fácil. Basta dizer amém em 280 caracteres.

Admito – e, de certa forma, estou de acordo – que existe uma crise de credibilidade na imprensa. Muita gente tem se mostrado não somente parcial, mas vulgarmente comprometida. Entretanto, talvez essa crise seja mais subjetiva que objetiva; talvez existam mais suspeitas que provas; mais inocentes que culpados.

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Resta ajustarmos nosso desconfiômetro e torna-lo mais preciso; ficar ainda mais chatos e exigentes: mas nem por isso abandonar de todo a leitura do, e a confiança no, jornalismo. É evidente que há, sempre houve e sempre haverá problemas objetivos com imprensa. Porém, o ataque sistemático e indiscriminado ao mainstream denuncia um pendor que nem todos ousam confessar. Não por acaso, pendor comum a governos autoritários de todos os matizes, à esquerda e à direita.