Dana Scully (Gillian Anderson) e Fox Mulder (David Duchovny) em cena do seriado Arquivo X.| Foto:

O conspiracionismo é a filosofia de boteco da classe-média ordeira, medianamente intelectualizada e pouco criteriosa em matéria científica. Esse espírito nem-muito-nem-tão-pouco faz com que o conspiracionista se atenha apenas aos fatos ou às fontes que corroborem sua narrativa. Ele já saiu do lugar, não é mais ignorante; ele parou no meio do caminho, não é sábio o suficiente.

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O raciocínio é sempre límpido, seco e vai em linha reta: “isso tem a ver com aquilo que explica aquilo outro que foi comprovado por alguém que foi banido da universidade, da imprensa, das grandes corporações”; “eu conheço um rapaz que tem um primo que tem um sobrinho que trabalhou na NASA”.

Os americanos, ótimos em fazer dinheiro com tudo, perceberam que há demanda e criaram a oferta: dezenas, centenas de filmes, séries e programas de tevê que comprovam qualquer coisa que se queira ver comprovada. Tudo depende do Zeitgeist, conforme o medo do freguês. Basta encomendar.

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Quais eram nossos medos na década de 70? Quais eram nossos medos na década de 80? Quais são nossos medos hoje? Procurem na literatura, nas reportagens e nos documentários de época que, muito provavelmente, vocês encontrarão os temores urbanos retratados com imaginação artística e esperteza comercial.

Um bom roteirista manipula esses sentimentos com facilidade. É como o adulto que, escondido atrás da porta, grita “Buh!” para criancinha. Mesmo depois de crescidos, conservamos nalgum lugar da psique o gatilho que dispara esse “Buh!” Nenhum adulto é adulto o bastante para se livrar disso. Freud explica. Psicólogos de subúrbio, vendedores de seguros, pseudofilósofos e cartomantes experientes também explicam.

Este nosso tempo, mais do que qualquer outro, é terreno fértil para o conspiracionismo. Um dos princípios clássicos da suspeita é a certeza de que tudo de alguma maneira está ligado a tudo e tudo tem outra explicação que não é revelada aos mortais que somos. Some-se a isso a informática, as transferências bancárias, a criptografia e a internet, o resultado não poderia ser diferente:

Buh!

Esse mecanismo funciona em qualquer direção, e assusta criancinhas de direita e de esquerda, religiosas e ateias: as eleições estão perdidas ou vencidas, porque há fraude nas urnas (quando o adversário vence); o Holocausto não aconteceu; judeus dominam o mundo; judeus são vítimas de todo mundo; a Igreja Católica guarda segredos terríveis; a maçonaria não consegue mais guardar segredos terríveis; tudo é comunismo; tudo é fascismo; existem extraterrestres na Área 51; existem americanos na Área 51; os deuses eram astronautas; os astronautas não foram para a Lua; a Lua nem mesmo existe; soja provoca homossexualismo; homossexualismo provoca Pablo Vittar; vacinas fazem mal; antidepressivos não funcionam; fosfoetanolamina cura câncer; as indústrias farmacêuticas já têm a cura do câncer, mas não a divulgam; os americanos foram responsáveis pelo 11 de setembro; o governo Obama foi manipulado pelos muçulmanos; o governo Trump é manipulado pelos russos.

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Tem para todo mundo.

O que há de comum é que os crentes de teorias da conspiração são implacáveis em sua, aspas, lógica. Alimentam-se de dados quase sempre alternativos, leem subliteratura que envergonharia os melhores autores de pulp fiction doutras décadas, não confiam em rigorosamente nada que venha do mainstream, confiam em rigorosamente tudo que venha de fontes marginais, recortam os fatos de seu contexto original e os colam num contexto derivado, desconsideram informações ou estudos discordantes e, principalmente, reorganizam a história conforme as expectativas previamente determinadas, num apelo bobo à petição de princípio: dão por pressuposto justamente aquilo que seria preciso provar. Feito isso, basta pegar uns pedacinhos de verdade (por ex: todo sistema eletrônico é, por definição, violável) para encaixar numa grande e escandalosa mentira (por ex: se todo sistema eletrônico é, por definição, violável, então é evidente que todos são violados). O que é impossível de comprovar, comprovado está.

Como dizia o perspicaz Chesterton, “louco não é quem perdeu a razão; mas quem perdeu tudo, menos a razão”.