Getúlio Vargas| Foto:
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por Nicolau Olivieri

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O maior legado efetivamente fascista ainda presente no Brasil sempre é esquecido nas discussões lacradoras das redes sociais: a estrutura sindical brasileira.

Porque, além do comportamento, da forma de pensar, da inspiração simbólica – o fascismo foi também, ou antes de mais nada, uma forma de organização econômica e social próprias.

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Um dos aspectos mais relevantes do desenho fascista de organização econômica e social era a estrutura dos direitos trabalhistas e especialmente da organização sindical. Nas primeiras décadas do século passado, a questão das condições de trabalho, dos direitos dos trabalhadores – e como eles exerciam a luta por esses direitos: as greves – estava na ordem do dia. Era, seguramente, o principal problema social do mundo ocidental desenvolvido.

A resposta fascista a esse problema estava na institucionalização do conflito de classes, ou melhor, na absorção, pelo Estado, das tensões e dos conflitos entre empregados e empregadores.

Daí que, num Estado tipicamente fascista, os sindicatos não eram organizações livres por meio dos quais os empregados poderiam reivindicar a melhoria das condições de vida diretamente aos patrões: o sindicato era um órgão vinculado ao Estado, que deveria encaminhar as demandas dos trabalhadores por meio de um sistema estatal de filtragem e composição de conflitos.

Essa sistemática foi perfeitamente implantada por Getúlio Vargas, a partir dos seguintes elementos: sindicatos vinculados ao Ministério do Trabalho, que era o responsável por aprovar a existência deles; contribuição sindical obrigatória, que tornava o sindicato economicamente dependente daquele verdadeiro imposto; Justiça do Trabalho, que era responsável por julgar os dissídios coletivos, entre empregados e empregadores, inclusive com poder normativo para criar cláusulas coletivas.

Dentro da estrutura fascista de organização sindical e do trabalho, originalmente uma greve só poderia ocorrer a partir de uma autorização prévia da Justiça do Trabalho.

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Assim permaneceu ao longo dos tempos. Saiu Getúlio, entrou Eurico Dutra, voltou Getúlio, suicídio, JK, Jânio, Jango, milicos, milicos, milicos, Constituição, Collor, FHC, Lula, Dilma, Temer, Bolsonaro – e estamos aqui, ainda, com a CLT distribuindo direitos e deveres para patrões e empregados, e com a unicidade sindical.

Houve alterações, especialmente pela Constituição de 88, que reconheceu o direito de greve e tornou os sindicatos livres de interferência do Ministério do Trabalho, conquanto mantivesse a unicidade sindical. Uma outra alteração foi a lei de greve de 1989, em vigor até hoje, e que, já dentro do regime da Constituição do ano anterior, deu uma nova regulamentação à sua prática, muito mais liberal do que originalmente previa a CLT. Mas ainda assim dentro da sombra fascista que até hoje se projeta no sistema sindical brasileiro.

Mas greve não é qualquer paralização de trabalho. Greve é um direito somente dos empregados. Assim, não há, por exemplo, greve de caminhoneiros quando eles são autônomos. Da mesma forma, não há greve de motoristas de aplicativos, quando esses motoristas não são empregados daquelas plataformas virtuais.

Não é somente uma questão semântica, ou um preciosismo. Atualmente, as greves mais relevantes são aquelas paralizações que não são greves, porque feita por trabalhadores que estão à margem da proteção trabalhista. Eis aí o verdadeiro preço do fascismo na vida brasileira. Além dos arroubos antidemocráticos, o fascismo custa um sistema sindical defasado, pouco representativo e que não detém instrumentos para representar justamente aqueles que mais precisam dele.

Nicolau Olivieri é sócio na Leal Cotrim Jansen Advogados. Membro do Instituto de Advogados Brasileiros.

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