Depois de o governo anunciar uma “Lava Jato da Educação”, agora um acordo entre a Petrobras, o MP e a justiça americana pode destinar o montante bilionário recuperado nas investigações a incertas “autoridades brasileiras”. Quem? O Ministério Público, sempre ele, criaria uma fundação para receber e administrar esse dinheiro.
Faz tempo observo um perigoso efeito colateral da força-tarefa: o de se transformar numa espécie de órgão do Estado, sem legitimidade ou limitação constitucional, sem rumo, sem propósito determinado e sem data para acabar. Ora, a Lava Jato teve começo e, em tese, deveria ter fim. É uma investigação criminal, não um partido, uma corporação ou uma ideologia.
Para muita gente, a mão pesada do Estado, desde que voltada contra inimigos e adversários, nunca é pesada o suficiente. Temer que o diga. Sei que dizer isso é correr o risco de despertar os mais primitivos instintos dos justiceiros digitais e dos flanelinhas governistas, mas não reclamem: aprendi com o presidente a dizer qualquer coisa primeiro e, se preciso, reclamar de ter sido incompreendido depois.
Ninguém há de negar a importância – até mesmo histórica – das investigações. O fio persecutório, que começa num posto e termina com Lula na cadeia, tem inegáveis méritos. Revelou a podridão de um sistema e desarticulou o conluio entre partidos, empresários e personagens da república. Puniu ou punirá quem merece punição (assim espero), e nada mais será exatamente como antes.
No entanto, a Operação Lava Jato não pode substituir a política, e o direito penal não resolverá nossos problemas com o direito eleitoral. A sanção não substitui o voto, a perseguição não substitui a escolha, a cadeia não substitui a cabine. O Brasil precisa de boa política, não da arbitrária criminalização de toda política, como vem sendo pregado desde as eleições que resultaram na vitória de Jair Bolsonaro.
Jair Bolsonaro, por sua vez, venceu porque soube ocupar o vácuo ético e dizer a grande parte do eleitorado o que o eleitorado queria ouvir. Seu foco em segurança pública e liberalismo econômico, sua irreverência ante discursos prontos e estéreis, seu destemor em se apresentar como o anti-Lula – tudo isso propiciou sua vitória. Ponto.
Ponto-e-vírgula, na verdade: isso tudo e mais o oportunismo de, mesmo tendo sido parlamentar do baixo clero durante quase trinta anos, vender-se como novidade num país cansado demais para perceber o óbvio: Bolsonaro é novidade na medida em que nunca foi relevante para despertar nossa atenção, mas sempre esteve lá. Aproveitou-se da sanha persecutória que atingiu o estamento político brasileiro e fez a festa.
Resta saber como essa festa acabará, agora que o presidente é o centro das atenções e o epicentro dos terremotos políticos, e tem mostrado, dia após dia, que só é novo o seu jeito de fazer o velho.