Cena de Quincas Berro d'Água, filme de Sérgio Machado, baseado na obra de Jorge Amado| Foto:

Na divertidíssima história de Jorge Amado, Joaquim Soares da Cunha, o Quincas Berro d’Água, foi, durante toda a vida, um funcionário público exemplar. Mulher, filhos, bons costumes.  De repente, abandona tudo e resolve viver como vagabundo.

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Certo dia o encontram morto. O médico confirma o óbito e a família, como que para restaurar a dignidade do sobrenome e desfazer o mal-entendido, faz o velório em casa. Ele merece todas as honras, para a glória de Nosso Senhor. Só que tem um detalhe: o sorriso. Quincas Berro d’Água morreu com um sorrisinho de Voltaire no rosto, e não há meios de tirá-lo dali.

E ali fica o morto, rindo, provavelmente rindo de todos à volta, quando seus amigos de boemia chegam. Como de costume, estão embriagados e não reparam bem que o morto está morto. Percebem apenas o sorriso e o levam para a noitada. O morto tem direito a uma última farra e a uma outra morte, morte morrida, morte de verdade.

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Tudo isso me lembra essa tragicomédia jurídica que envolve o nosso Quincas Berro d’Água, o ex-presidente, atual condenado e ex-candidato, Luiz Inácio Lula da Silva.

(Naturalmente, há semelhanças e dessemelhanças: Joaquim era gente decente, exemplar. Coisa que não podemos garantir sobre Lula.)

Primeira instância, segunda instância, recursos, advogados milionários, visitas íntimas, visitas públicas. Ele estava morto, mas não exatamente morto, e tinha o sorriso no rosto. Os amigos chegaram, viram o sorriso e resolveram que ele devia passear.

Fizeram das suas chicanas, os causídicos encheram a cara de recomendações da ONU, carregaram o defunto político de cá pra lá, de lá pra cá, o país virou um imenso bordel. Até que, finalmente, no mar revolto do STF, as ondas jogaram o barco de um lado para o outro e Lula disse – ou poderia ter dito, se tivesse o hábito de ler – a mesma oração de Berro d’Água:

 

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Me enterro como entender/ Na hora que resolver.

Podem guardar seu caixão/Pra melhor ocasião.

Não vou deixar me prender/ Em cova rasa no chão.

 

Assim Lula saiu da história para voltar à vida; desta, para a prisão. Com sorriso no rosto e tudo.

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De resto, passamos bem. Brasil à parte.