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Jair Bolsonaro não gosta de perguntas incômodas.
Retifico: Jair Bolsonaro não gosta de perguntas.
Questionado sobre os 89 mil que sua esposa, Michelle, recebeu do faz-tudo-e-mais-um-pouco Fabrício Queiroz, ameaçou encher o repórter de porrada.
Bem se vê que é um conservador de boa estirpe.
Em país normal, seria catapultado do Palácio da Alvorada por quebra de decoro e crime de responsabilidade, mas o Brasil não é um país normal e Bolsonaro não sabe o que é decoro nem responsabilidade. Estamos acostumados com essa falta de modos à mesa da civilização.
Logo depois, chamou os jornalistas de bundões e otários.
E, quando novamente inquirido sobre os 89 mil que sua esposa, Michelle, recebeu do faz-tudo-e-mais-um-pouco Fabrício Queiroz, negou-se a responder e retrucou: “Não tem pergunta decente?”
Eu não tenho pergunta decente. Ele não tem governo decente. Estamos quites.
Ainda assim, quero saber a origem dos 89 mil. Não que seja uma quantia das mais vultosas, porque não é. Eles parecem inábeis para a grande corrupção. Se roubam, roubam galinhas. Se corrompem, corrompem galinheiros.
Mas a pergunta importa em si mesma, porque o presidente da República, de qualquer República que preze sua Constituição, não pode acreditar que só responde o que quer, quando quer, se quiser. Ele não é nem pretende nem pretende ser Hugo Chávez. Ou pretende?
Bolsonaro foi legitimamente eleito para um cargo, congratulations, mas isso não lhe empresta legitimidade para fazer do cargo o que bem entende. Seus deveres estão listados na Constituição que não respeita. Sua atuação está limitada à democracia que não reconhece.
Ainda mais sintomático, há quem trate os indícios envolvendo a sagrada família presidencial como irrelevantes, se comparados ao esquema de corrupção engenhado pelo PT, durante quase uma década. Eleitores, militantes, robôs e assessores de imprensa, que frequentemente se confundem entre si, minimizam o escândalo e ironizam a preocupação da “grande mídia”. O que não me surpreende.
Não me surpreende porque, de fato, o maior problema com Jair Bolsonaro não é a causa suspeita de certas movimentações financeiras ou os acordos e práticas ilegais. Sou capaz até de desculpá-lo por isso, mas ele cometeu pecados maiores.
Entre tantos momentos indignos numa trajetória engordurada de indignidades, talvez o gesto mais simbólico tenha sido seu voto a favor do impeachment de Dilma Rousseff. Não o voto, nem o impeachment, mas sua justificativa: “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff..., o meu voto é sim”.
O então deputado dedicou seu voto ao torturador da então presidente, e o fez com minuciosa consciência do que pretendia fazer: “...o pavor de Dilma Rousseff”. Ele não homenageou o chefe do DOI-Codi apesar de ter torturado Dilma Rousseff, mas por causa disso.
Ali, naquele momento, em vez de sair algemado da Câmara dos Deputados, começou a ganhar a eleição. E nós, minto, e vocês, os orgulhosos 57 milhões de conservadores de boa estirpe, ali, naquele momento, começavam a perder a vergonha na cara.
Já não tenho mais perguntas a fazer.