Engana-se o leitor se pensa que tenho um mórbido prazer em falar mal do presidente (deste presidente ou de qualquer outro). Engana-se quem acredita que o único assunto que me interessa é a política; na escala das minhas preocupações, nunca foi a primeira. Ao menos a política cotidiana, banal, essa aí em que até o presidente (este ou qualquer outro) tem jeitão de vereador.
Quando tratei de ler coisas que não fossem histórias em quadrinhos (numa época em que não havia esse hype todo acerca das HQs, aliás), meus interesses eram religiões comparadas e literatura. Eu me enfiava em reuniões as mais esquisitas. Conheci tipos excêntricos. Rezei sutras e rosários. Decorei poemas. Logo depois, a filosofia e seus intermináveis debates. Intermináveis e fascinantes, espécie de droga lícita que consumi aos montes em lugar da maconha e do álcool.
Um dos problemas da filosofia é a ética; outro, a política – porém, alto lá!, a ética e a política elevadas, as grandes discussões em torno de Estado, propriedade, mercado, poder, liberdade. Na época, política para mim era isso e nunca menos do que isso: Platão e Aristóteles, Agostinho e Aquino, Hobbes e Rousseau, Locke e Kant, Maquiavel e Montesquieu. Infelizmente, com o passar dos anos, a política pequenininha começa a chamar nossa atenção. Mais precisamente: chamar a atenção do nosso bolso. Os motivos são ordinários: os boletos vencem, a inflação sobe, o emprego escasseia, o dinheiro acaba antes do mês. A política econômica do governo atrapalha muito ou melhora um pouquinho a vida da gente.
Nisso, sem perceber, fui deixando de lado a epistemologia para escrutinar o regimento interno da Câmara dos Deputados; aos poucos esqueci a metafísica e me surpreendi obcecado com os critérios para escolha das potestades supremas do STF. Houve tempo em que eu sabia mais sobre as diversas edições dos Ensaios, de Michel de Montaigne, que sobre a biografia do Rodrigo Maia. Quem não acredita em mim pode dar uma olhadinha no livro (olha o jabá!) Saudades dos cigarros que nunca fumarei, publicado pela Record. Comprem aquela baleia encalhada e me xinguem depois.
Essa distração das coisas mais importantes me faz ter raiva da política do dia-a-dia. Implicância, nenhuma ou pouca paciência, cansaço. Eu lá quero saber, de verdade, quantos senadores há no Senado? Terei de entender o voto distrital misto? Não quero, mas preciso. Lamentável, lamentável, três vezes lamentável. A política faz de mim uma pessoa pior. Querem um exemplo? Dou um exemplo: morreu aos 96 anos um dos grandes escritores de sempre – a portuguesa Agustina Bessa-Luís – e eu nem me dei conta; passou-me despercebido. Registro agora o óbito, peço a Deus que acolha esse gênio, recomendo que leiam A Sibila e também Breviário do Brasil, faço um minuto de silêncio.
Amém.
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