Enquanto o presidente tenta, por uns momentos, apaziguar os ânimos e amenizar o discurso, Carlos Bolsonaro, porta-voz oficial da insanidade, se esmera no contrário. Para ele, uma “minoria” quer atrasar o país. De que minoria ele fala: Congresso? STF? Oposição? Imprensa? Qualquer um que não tenha fé na chegada do Messias?
Mais uma vez o dublê de ministro e vereador nas horas vagas nos lembra da ameaça venezuelana, como se ainda estivéssemos em perigo iminente. Pergunto: há novas eleições marcadas para outubro? Respondo: não. Portanto, terminada a campanha, findo o escrutínio, renovado o Congresso, defenestrado o Renan Calheiros, derrotado o PT, eleito o Jair Bolsonaro, a tal ameaça de nos transformarmos numa Venezuela só existe se Bolsonaro quiser que exista.
É bastante curioso, aliás, que o exemplo da Venezuela seja um grande dedo apontado sempre e somente contra PT, mas nunca na direção oposta. Considerem o seguinte.
A Venezuela não se tornou Venezuela apenas por ser um projeto socialista – e é. Os métodos usados por Chávez e Maduro podem se adaptar a outras paragens e são aflitivamente semelhantes à reivindicação de muitos patriotas de verde-amarelo. Esqueçamos por um momento a farda ideológica do regime de Chávez e Maduro. Consideremos os procedimentos.
Os procedimentos quais foram? Subjugar o Congresso e os tribunais superiores, dificultar o trabalho da imprensa e inviabilizar a oposição organizada. Congresso, tribunal, imprensa e oposição são os bodes expiatórios de todo projeto autoritário e iliberal. Alguma vaga semelhança com certo país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza?
O autoritarismo se constrói suprimindo o poder real de negociação dos outros poderes e a medição das instituições. O PT privatizou o Congresso com o Mensalão e o Petrolão; é um jeito de solapar a democracia. O outro jeito, ligação direta ao ataque, é acuar o Congresso e fazê-lo obediente ao Executivo. É isso o que Carlos Bolsonaro sugere? É isso o que muitos como ele desejam? Com a palavra, a maioria de bem contra a minoria do mal.
Aprendi a nunca duvidar de nenhuma desgraça política, e a Venezuela é logo ali. O caminho da perdição é bem pavimentado e a porta do inferno é larga, enquanto a da democracia é estreita e dificultosa. Mas, por isso mesmo, é fundamental que ninguém se esqueça: mais de um caminho pode nos levar à Venezuela. “Aonde querem chegar?”