Aécio Neves, cadáver insepulto que teve mais de cinquenta milhões de imerecidos votos e, desde então, anda vagando por aí como personagem à procura de seu autor, disse em entrevista que não, não torce pela prisão do Lula. Não torce “pelo que Lula representou para o país”. Nobreza assim não se vê todo dia. Aos fatos.
Lula representou muito para o país, certamente. Muito do que o país tem de pior: o sucesso sem mérito; a ascensão social sem trabalho; o poder sem escrúpulos; a cara sem vergonha. O que Lula representou para o país foi a corrupção que aos poucos se afirmava, que se impunha, que se orgulhava de si mesma, como um dado a mais na política pátria, como uma regra tácita do jogo que é jogado.
Saudosos os tempos em que a hipocrisia era a homenagem que o vício prestava à virtude. Eu me lembro das justificativas ridículas que Paulo Maluf, quando ainda desfilava sua carantonha por São Paulo, dava para a própria desfaçatez: ele sempre negou o inegável com uma sinceridade que inspirava até respeito. Vejam a cara do Maluf agora que foi preso: triste, abatido, quase surpreso. Maluf é muito mais gente que o Lula.
Porque Lula nem se dá ao trabalho de simular vergonha. Desde 2005, quando a reputação de líderes históricos do PT começava a derreter, o ex-presidente crescia, apostando sempre no pior, no pior dele e de nós, dobrando a aposta. Sua figura titânica pesava – pesa – sobre a política nacional não apesar dos revezes da biografia recente, mas por causa deles: como se ele tivesse direito a isso; como se, afinal de contas, pudesse tomar parte naquilo que sempre foi dos outros, que são inferno.
Essa mentalidade ele transmitiu ao país com a conivência de figuras desastrosas e desastradas como Aécio Neves, moleque de recados ambíguos de um partido combalido, que soma à incerta honestidade uma certíssima covardia.
A fala de Aécio Neves delimita os contornos do que parece ser possível no famélico imaginário moral do brasileiro-enquanto-eleitor: declarações sempre domesticadas, embates superficiais e brigas encenadas como lutas de telecatch: perto das eleições, à frente das câmeras.
Enquanto isso, no leito mais profundo, corre o rio podre dos acordos, conluios, conivências, respeitos, condições, trocas, costuras e delações: tudo para fazer mais, muito mais do mesmo. Chegar à meta e, sempre que possível, dobrar a meta.