Leio algures que na Grécia, com o “vácuo do poder”, os anarquistas têm assumido a assistência social. Anarquista grego é outra coisa. Anarquista grego é um deus grego. No Brasil, com o vácuo do poder datando mais ou menos desde Pedro Álvares Cabral, traficantes assumem a assistência social, as eleições municipais, a manutenção da ordem e parte considerável do PIB.
Se bem que, consideradas todas as coisas, talvez nem seja problema de vácuo de poder. Aqui o poder estatal é isso mesmo: uma força tropical que engole tudo ao redor, um buraco negro de aspirações frustradas e falidas esperanças, que tanto mais existe quanto menos deixa existir o que quer que seja.
No livro O Homem que Era Quinta-Feira, Chesterton conta a história de um grupo de perigosos anarquistas, investigado por um agente secreto. Ele consegue ser aceito entre os anarquistas e atua para desbaratar o grupo. Em pouco tempo descobre que havia outro agente-duplo também se fingindo de anarquista com o mesmo propósito. E outro. E mais outro. Todo o grupo de anarquistas era composto por agentes secretos que acreditavam investigar um perigoso grupo anarquista.
Pois no Brasil, feitos os devidos ajustes de enredo, anarquistas investigariam anarquistas que descobririam que, no fundo, todos eram estatistas empedernidos e não havia perigo nenhum de anarquismo por aqui. Eu adoraria que tivéssemos anarquistas perigosos ameaçando a ordem e os bons costumes, mas temo descobrir que nossos anarquistas são prosaicos como fiscais da defesa sanitária, previsíveis como funcionários de cartório. Nosso crime é, sempre foi, muito mais organizado que nosso Estado.
Aqui anarquistas pagam impostos, acreditam no horário eleitoral e dizem que precisamos mesmo de mais Estado, porque ninguém gosta de vácuo de poder, que absurdo é isso. Eu queria muito acreditar que o tráfico, o crime, a corrupção alastrante, os mais de sessenta mil homicídios (quase 90% não solucionados) fossem resultados do anarquismo, do vácuo do poder.
Mas, infelizmente, não são.