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As ilusões perdidas

One Grasshopper Spring - Arthur Rackham - (OBI) (Foto: )

 

Eu conversava com o artista plástico João César de Melo, na abertura de sua exposição “Tropicalismo 50 Anos”, acerca dos perigos e das delícias de se preservar, a ferro e fogo, as ilusões políticas de outrora.

Como parece ser difícil para tantas pessoas, à direita e à esquerda, fazer o exame de consciência e admitir, com o peito da razão aberto, que o arrependimento é possível; admitir que as ilusões perdidas sobre políticos, ideologias, partidos e utopias são melhores assim mesmo: quando perdidas para sempre.

Fernando Gabeira, figura admirável, disse certa vez que os guerrilheiros nunca lutaram por democracia, essa superstição burguesa, mas por outro tipo de ditadura.

Pois é.

Esse vício é próprio à direita e à esquerda, mas, convenhamos, é particularmente caro ao lado canhoto da política. Se não por outro motivo, talvez por este: enquanto direitistas tendem a certo pragmatismo cínico em política e economia (motivo, inclusive, de reprovação da esquerda), esquerdistas, em contrapartida, apegam-se a ideais e a soluções esquemáticas que, por sua pureza exemplar, sempre estarão um passo além – ou aquém – do mundo “real”.

É notável a dificuldade que a esquerda – brasileira principalmente – tem para se libertar das soluções que não solucionam, dos heróis sem heroísmo, dos santos sem salvação, das revoluções que começam e terminam no mesmo lugar.

Dias atrás alguém que parecia muito sério e muito preocupado com os rumos do país disse que Dilma Rousseff foi afastada da presidência de forma ilegítima. Lula, por sua vez, afirmou recentemente que Dilma Rousseff “traiu seus eleitores”. Dilma já não interessa a Lula, Lula cospe Dilma fora. Não sei se devo acreditar no especialista, se no Lula. Seja como for, já que estamos falando no diabo, continuemos com a missa negra.

O que me espanta no Lula não é o Lula: é quem ainda vê no Lula uma possibilidade política, uma resposta moral. Sim, eu sei, precisamos reformar a política. Sim, eu sei, precisamos reformar o sistema eleitoral. Sim, eu sei, precisamos reformar a Criação. Mas que Lula faça, desfaça, minta, desminta, afirme, negue, jure, perjure e continue vivo politicamente é de desanimar o mais entusiasmado vendedor de pirâmide financeira. No Japão, um Lula japonês já teria se matado trinta vezes. Aqui, ele se candidata trinta vezes.

O desprezo moral de Lula e de seus eleitores não é fenômeno que se ignore. Ultrapassa o razoável até para a irrazoabilidade média da política nacional. Se preciso, ele alcagueta. Se conveniente, ele entrega. Se oportuno, ele chora. Se necessário, ele ameaça. Lula, ao contrário de Dilma, nunca traiu seus eleitores: sempre foi isso, sempre prometeu isso, sempre entregou isso. Porque Lula é um fim em si mesmo. Lula, repito, nunca traiu seus eleitores. Isso diz muito mais dos eleitores do que de Lula.

E isso também diz muito sobre muita gente. Na conversa entabulada com João César, lá pelas tantas ele disse a frase que vale por toda uma declaração de princípios: “É bom se desiludir com política”. Pois é isso mesmo: em matéria política, às vezes importa mais a desilusão, e a capacidade de aceitar a desilusão, do que o apego imoderado aos ideais de juventude. A frustração política, a abertura a essa frustração e a liberdade de dizê-la sem medo nem vergonha denunciam uma consciência moral mais ou menos no lugar certo.

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