O professor João Cezar de Castro Rocha não acredita na loucura bolsonarista. Retifico: não acredita que o bolsonarismo seja tão irracional quanto aparenta. Há organização, coerência e método em tudo.
Trata-se de uma cosmovisão abrangente o bastante para dar conta de fenômenos sociais e éticos diversos, mas simplista o suficiente para caber num vocabulário exíguo, feito de jargões e palavras-de-ordem, próprio para ganhar eleições.
Eleições vencidas, a metamórfica ideologia pode se apresentar como bem queira, mesmo que diferente de si ou oposta à sua própria versão para turistas. Nem por isso será acusada de estelionato, pois a instrumentalização dos princípios sempre foi essência, nunca acidente.
Se o conservadorismo não é bem o que Bolsonaro pensa que é, pior para o conservadorismo; se o liberalismo econômico colide com o oportunismo eleitoral, a culpa é do liberalismo econômico; se o combate à corrupção resvala num dos filhos ou na esposa do presidente, family first.
O erudito pensador da Uerj identifica três elementos que dão feição e origem a esse monstrengo reacionário: a Doutrina de Segurança Nacional, o documento Orvil e as teorias conspiratórias de Olavo de Carvalho.
O primeiro elemento é uma excrescência que serve àqueles que veem traições antipatrióticas em todo lado; o segundo é uma espécie de livro-texto revisionista, que pretende contar a tortura a partir da visão dos torturadores; o terceiro é a legitimação filosófica dos dois primeiros.
Estou de acordo com a tese de que talvez tenhamos subestimado o poder de organização e alcance do fenômeno Jair Bolsonaro, da sua eleição à manutenção no Palácio do Alvorada. Impeachment, hoje, é uma possibilidade remota.
No entanto, sem prejuízo de análises mais profundas, desconfio que o bolsonarismo ideológico não representa a massa eleitoral – 57 milhões de votos – que sustenta a popularidade do presidente.
Duas alternativas.
Como pregava Karl Marx (ignoremos o mensageiro; compreendamos a mensagem), a economia muitas vezes condiciona os valores culturais, jurídicos e éticos. Bolsonaro soube manipular os efeitos da crise que ele próprio criou ou sobre a qual nada fez.
Por outro lado, as recorrentes manifestações antidemocráticas, autoritárias e verdadeiramente imorais – como, no exemplo mais recente, ameaçar um jornalista no exercício da profissão – serviram para reaproximar o criador das suas criaturas. Muita gente quer e pensa exatamente o que ele quer e pensa.
O bolsonarismo, portanto, aquém ou além de uma visão de mundo, a seu modo coesa e lógica, é também uma espécie de falha de caráter, de insistência no erro, de crime continuado. Para isso não há remédio nem retórica que dê jeito.