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Mammon - William Thomas Horton.

Old Book Illustrations (OBI).
Mammon - William Thomas Horton. Old Book Illustrations (OBI).| Foto:

 

 

Era uma vez Luislinda Valois, ministra dos direitos humanos.

Abre parêntese: eu não sabia, juro pela alma do meu vizinho, que havia um ministério dos direitos humanos. Fecha parêntese.

Luislinda queria muito somar a aposentadoria de desembargadora ao salário de ministra e amealhar razoáveis sessenta e um mil e mais algumas pratinhas para defender os direitos humanos de todos aqueles que nunca viram nem sessenta, nem trinta mil reais, nem as pratinhas. Eu olharia o carro da Luislinda pelas pratinhas.

Pois ela apresentou ao governo o pedido.

Filiada ao PSDB, irmãozinho mimado do PT, comparou sua vida à vida dos suecos, minto, dos escravos antes da abolição. Ela garante que sua situação “se assemelha ao trabalho escravo”. Não, não é bem isso, vou ser mais preciso. Ela diz que “sem sombra de dúvidas se assemelha ao trabalho escravo”.

Sem. Sombra. De. Dúvidas.

Legalistas se apressaram com as justificativas: Luislinda só reivindica o que é seu. Ela contribuiu, aposentou-se, recebe por isso. E, se ainda trabalha, deve receber o salário correspondente ao cargo. Como o teto do funcionalismo não permite que receba mais do que determinado valor, ela fica com um pedacinho do salário. Daí o trabalho dito escravo: ela trabalha e não recebe pelo trabalho que faz.

Não sei se Luislinda trabalha bem ou mal, se merece ou não merece. Mas um ministro, supõe-se, é um servidor público. Trabalha, presume-se, para o bem público. Se ela, como aposentada, já recebe quantia vultosa, pretender acumular esta com o salário pode ser juridicamente correto, mas do ponto de vista ético sua comparação ao trabalho escravo é ultrajante.

Que feio, Luislinda.

Compadecido de suas dores, sugiro que Luislinda Valois ingresse com pedido de imediata exoneração, porque se o seu trabalho “sem sombra de dúvidas se assemelha ao trabalho escravo”, não há que se permitir um dia sequer a mais em situação de tal sofrimento. Que desfrute do merecido descanso, da merecida aposentadoria.

Governo, liberte Luislinda. Eu sou Luislinda. Somos todos Luislinda.

A repercussão não foi das melhores, como se imagina, e Luislinda, cuja convicção dura menos do que preço de tomate na era Sarney, desistiu do pedido. Pedido legítimo em si mesmo. Se ela só tivesse pedido o que pediu, sem retórica, ficaria por isso. No entanto, ao invocar o sofrimento escravo, ao comparar sua condição à do escravo, Luislinda traiu sua verdadeira motivação: que não é a legalidade do pedido, mas a imoralidade luxuriosa do acúmulo.

O Brasil é um soneto cuja emenda está condenada a sair pior, sempre muito pior.

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