Eu sei que você não gosta de mim. Já me chamou de comunista, de petista, de nojento, de tendencioso, de corintiano. Mal cheguei, pediu minha caixa craniana desprovida de massa encefálica aqui na Gazeta do Povo (prática corriqueira entre petistas, a propósito. Você aprendeu rápido). Compreendo suas aflições, compadeço-me de seu sofrimento, faço bilu-bilu no seu beiço, mas precisamos conversar. Senta aí.
Jair Bolsonaro não tinha grande relevância há três, quatro anos. Nem para mim, nem para você. Ele é um efeito colateral (bom ou ruim?) da bancarrota petista. Hoje se apresenta como liberal em economia e conservador em costumes, mas há não muito tempo elogiava Hugo Chávez, criticava as privatizações, defendia a esterilização de pobres, fazia pouco caso de tortura, brincava sobre fuzilamento. De lá para cá, por convicção ou oportunismo, por maturidade ou pragmatismo – mudou. Só que, na vida eleitoral, o ônus da prova é – ou deveria ser – de quem se candidata, e não de quem vota. Eu não quero ser eleito ou mandar em ninguém. Ele quer. Ele, portanto, prove que mudou.
Pois a verdade é que ele é deputado há trinta anos, não exatamente um herói guerra. Que eu saiba, nada fez de notável na política nacional. Fala sempre muito grosso, mas de grosso mesmo fez pouca coisa. Vestiu farda, mas não foi e voltou de guerras. Um militar comum, com seus méritos e deméritos, que há muito vive à paisana com os votos e o dinheiro público. Sim, é preciso lembrar esse detalhe: Bolsonaro e família são políticos que vivem de votos e dinheiro público. São servidores. São empregados do povo. Em tese, num país normal, deveriam ser tratados assim: como servidores, empregados. Cobrados por isso.
Mas o Brasil não é um país normal. Aqui, mais do que em muitos outros lugares, o funcionário público trata o pagador de impostos como se este fosse seu subordinado, e não o contrário. E se o funcionário público cotidiano e banal, no sopé da hierarquia, já se comporta assim, o político eleito, então, costuma se acreditar um Churchill. Qualquer vereador trata o popular, depois das eleições, como vassalo dos mais reles. Qualquer deputado se apresenta como Napoleão Bonaparte em desvio de função.
E este é o nó, o x, o enrosco, o caroço do angu. Acredito (com dificuldade, mas acredito) que seja possível admirar determinados políticos. Mais do que isso, determinados políticos podem ser necessários, como antídoto, contra determinados outros políticos. Você, eleitor de Bolsonaro, tem convicção de que ele é capaz de se contrapor a um estado de coisas – e a uma classe política – que devastou o país como praga egípcia.
Pode ser? Pode ser. Não sou dado a profecias. Minhas opiniões são isso: opiniões. Fundamentadas no que leio, no que vejo, no que intuo, no que ouço. Tanto quanto você. Não há certezas em jogo, e quem disser que há estará mentindo. Seu candidato predileto não foi presidente de nada, não foi prefeito de Itapecerica da Serra. Você sabe dele o que ele fala de si mesmo e dos outros. Isso é pouco.
É pouco porque o país é grande, os problemas são muitos, os bandidos são legião. Bravatas, frases de efeito e polêmicas servem para campanhas eleitorais, não para conduzir um país. Também não faz sentido nenhum o seguinte argumento: “Tivemos de conviver com dois presidentes ignorantes nos últimos anos, por que agora o Bolsonaro tem de ser especialista em economia?!”
Primeiro: é claro que não tem de ser especialista em nada; porém, uma visão um pouco mais clara da conjuntura, da conexão entre os problemas, do alcance das soluções, seria bom. Segundo: então, se tivemos de conviver com dois ignorantes de esquerda, agora teremos de conviver com um ignorante de direita? Reclamamos durante anos da ignorância alheia, desprezamos a grosseria de Lula, rimos dos apagões de Dilma, para agora aplaudirmos a nossa ignorância, a nossa grosseria, os nossos apagões?
Se a cada pergunta que lhe é feita o candidato apela aos universitários – também conhecidos como “minha equipe econômica” –, fico sem saber o que ele de fato sabe, pensa, espera, planeja. Não votamos em equipe econômica, que pode ser trocada a qualquer momento. Votamos no presidente. Portanto, se Jair Bolsonaro quer mesmo salvar o país da ruína, deve oferecer mais do que “alguém da minha equipe vai resolver”, “o Paulo Guedes sabe”. O líder é ele, o eleito será ele. Espero dele, e não de seus parceiros, uma visão complexa para um país complexo. Ou então que Paulo Guedes se candidate para que eu vote nele.
Gostemos ou não de jogar o jogo democrático, na democracia é assim. Bolsonaro terá de se haver com o Centrão, com políticos mais à esquerda, com a onipresença do STF, com as estatais sucateadas, com uma política tributária kafkiana, com a pirâmide financeira conhecida como “previdência social”, com um cenário mundial não muito auspicioso, com relações internacionais delicadas etc. Nada disso se compreende e se resolve com jargões e apelos à moral e aos bons costumes. Melhor já ir se acostumando…
Ele é honesto? Até segunda ordem, sim. Não sabemos se sua honestidade, no entanto, resistirá às muitas tentações e urgências do cargo. E não falo das tentações de enriquecimento ilícito, mas daquelas políticas. Das tentações do poder, de comprar e vender votos e apoios, de trocar favores para que pautas entrem ou saiam de votação, de negociar ministérios ou secretarias para garantir governabilidade, e assim por diante. Os males da vida política vão muito além do “roubo” popularmente entendido.
Portanto, prezado leitor de Gazeta do Povo e furibundo eleitor de Jair Bolsonaro: tente conviver com as discordâncias, ainda que as discordâncias porventura lhe pareçam exageradas. Se não quer que Bolsonaro seja taxado como guru, não faça dele um guru. Se não quer ser tratado como membro de seita, não se comporte como membro de seita. Se não quer ser tido como trainee fascista, não tenha atitude fascistoide.
Um político é um político é um político. Receberá salários e benefícios diretamente dos nossos bolsos. Do seu bolso, que vota nele. Do meu bolso, que não voto nele. Que ele seja o presidente do país é antes uma grande, uma imensa, uma temerária responsabilidade, que propriamente um privilégio. Como deputado, deve ao povo muito mais do que o povo deve a ele. Como presidente, deverá ainda mais.
Compreenda, portanto, todas as críticas; não só as minhas. Acostume-se com elas. Aprenda a dormir abraçadinho com as críticas. Quem opina tem de opinar. Quem governa tem de governar. Aceite que o candidato, antes das eleições, e o presidente, depois delas, seja questionado incessantemente. Exija dele o melhor. Não o proteja, ele não precisa disso, ele é mais poderoso do que nós. Sobretudo: ele não merece isso. Nem ele, nem ninguém. Porque do candidato popular ao presidente populista, do deputado polêmico ao chefe autoritário, a história nos cansou de ensinar: é um pulo, é uma justificativa, é um voto.
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