Hoje saltei da cama convicto: preciso fazer exercícios. Em breve chego aos quarenta anos, a curva existencial começa a descer, os músculos e os ossos já não querem responder aos apelos do meu cérebro e, a continuar desse jeito, meu cérebro não responderá por mim.
Com a mesma convicção das outras vezes, liguei no clube de campo para atualizar o cadastro e fazer a matrícula. Pela quarta vez, e contando. Nunca é tarde para desistir de novo, nem para tentar outra vez. A moça do outro lado do tédio me disse que eu teria de fazer tudo de corpo presente.
Nada mais natural. Tratando-se de uma academia de ginástica, por princípio não se deve fazer nada sem ginástica envolvida. Minha senhora estava com o carro, eu estava com minhas pernas. Calcei tênis, tomei café, tomei coragem, tomei café, tomei mais café para tomar coragem, tomei outro café e me joguei no elevador, antes que precisasse doutras substâncias estimulantes.
Fui à academia. No caminho, o rio Paraíba do Sul, correndo indiferente sob a ponte.
Atualizado o cadastro, feita a matrícula (quarta vez, e contando), dei meia-volta, com a resolução de quem há de começar tudo na segunda-feira próxima. Não se começa nada no dia em que se decide começar qualquer coisa, principalmente numa quarta-feira. Isso é absurdo; pecado, até. A decisão de começar implica numa indecisão de começar e, portanto, é preciso tempo – horas, dias; a depender: semanas – para que o ato de decidir se confunda com o ato de começar.
Volto pela mesma ponte. No caminho, o rio Paraíba do Sul ainda está lá, correndo indiferente.
O que havia de diferente é que, na direção oposta, na outra calçada, vinha um senhor: alto e gordo, mais gordo que alto; falando muito e falando coisas incompreensíveis. Não lhe dei atenção e continuei a caminhar. Também falo muito e, não raro, falo coisas incompreensíveis. Cinco, dez metros adiante, ouvi o grito do extravagante senhor, que passara por mim. Resolvi lhe dar atenção. Olhei para trás.
Atrás, na outra calçada, ele se equilibrava na raquítica grade de proteção da ponte. Estaquei, arregalei os olhos, me lembrei de um filme do super-homem em que havia um garotinho brincando na grade de uma ponte, considerei que o homem era alto e gordo, mais gordo que alto, e que – fato lamentável, mas importante – não sou o super-homem.
Dei alguns passos como quem pudesse fazer alguma coisa a respeito, convencer o homem a não pular, mas recuei: não faço ideia do que fazer em casos assim. Eu poderia assustar o homem, poderia irritá-lo, poderia convencê-lo a se jogar de vez. A culpa seria minha, em alguma medida. Até que me lembrei de que estávamos há vinte metros de um posto da polícia.
Corri ao posto, bati na janelinha de vidro preto, o policial me atendeu com a prontidão da geologia:
– Pois não, senhor?
– Há um homem pendurado na grade da ponte!
– Como, senhor?
– Olha lá, dá pra vê-lo daqui. Vem cá ver. Ele está se equilibrando na grade, vai cair.
Só então o prestimoso homem da lei resolveu sair de seu posto para ver do que se tratava. Apontei. O homem estava lá, gritando ainda, sentado na grade. O policial firmou a vista e disse:
– É “treze”.
– Como?
– “Treze”. Louco. Doido varrido. Sempre passa aqui na frente, gritando, falando alto.
– Oh, sim, tudo bem. Que seja treze, catorze, quinze, louco ou não, mas ele está lá, pendurado. Vai cair.
– É, ele sempre passa aqui gritando. A gente já conhece ele.
– Sim, mas então: ele está lá, agora, pendurado. E se ele pular?
– Como?
– E se ele pular, ou acabar se desequilibrando…
– É mesmo. Vou chamar a viatura.
– Ele está a trinta metros de nós!
– Vou lá dentro chamar a viatura.
E foi geologicamente chamar a viatura. Segui de volta para casa, “vagaroso, de mãos pensas”. Sob a ponte, o rio Paraíba do Sul continua a correr, indiferente. Procurei notícias sobre o possível suicídio de um homem alto e gordo, mais gordo que alto, mas não encontrei nada.
Preciso fazer exercícios. Começo na segunda-feira, sem falta.