Sou o mais novo entre cinco irmãos. Para ser exato: sou o mais novo e, além de mim, há quatro irmãs. A soma de quatro irmãs e um irmão não resulta em cinco irmãos, mas em quatro irmãs e um estrangeiro que veio desestabilizar um império.
Em casa nunca houve hierarquia para os serviços domésticos. Eu sonhava com machismos e opressões de toda ordem, suspirava por patriarcados milenares, resmungava impropérios de Átila amador, mas o que me sobrava mesmo, a depender dos humores do matriarcado, eram os pratos, as panelas, os talheres e a resignação.
Seja como for, acostumamo-nos à rotina. Ajudar em casa, desde pequenos, era tão natural quanto sujar a casa. Mas algo me fazia considerar revoltas cruentas contra tal regime: a urgência de juízos finais. A arbitrária e inexorável urgência.
Comíamos e eu corria à tevê para assistir ao futebol. Para assistir à reprise dos gols dos jogos ocorridos ontem ou anteontem. Prioridades, prioridades.
Pois era chegar à sala e ouvir o comando: “– Gustavo, a louça!”
E eu pedia que esperasse. Eu implorava que esperasse. Eu ameaçava que esperasse. Como um improvisado Socrates, argumentava que louças não têm pernas nem asas e continuariam ali, quietinhas, esperando o banho diário.
Mas não havia meio. A louça precisa ser lavada. “Agora!” Depois será tarde. Depois as visitas chegarão (nunca chegaram, as excomungadas). Depois a sujeira ficará ressecada. Depois é depois e isso tem de ser feito agora.
Então eu deixava os gols para o programa das 18h e corria a cumprir, sem compreender, sem aceitar, sem admitir, sem ter fé nas urgências higienistas da minha mãe. Aquela fúria nazi para com as louças. Aquela vontade de poder diante dos pratos e talheres. Aquela obsessão por uma cozinha que fosse imaculada como raça superior.
Em silêncio, muitas vezes jurei a mim mesmo que quanto tivesse minha própria casa lavaria a louça quando bem entendesse. Se não agora, depois. Se não depois, amanhã ou depois de amanhã. Que as louças se lavassem a si mesmas.
Pois os anos passaram.
Hoje tenho a minha casa. Acabo de almoçar e preparo o café. Saio da cozinha. Ando de um lado a outro. Finjo ignorar o que não ignoro. Ensaio conversas com minha mulher, com meu cachorro, com meu superego. Simulo distração, indiferença, crise de fé.
Tudo para enfim dispensar a mulher, dispersar o cachorro, esconjurar o superego e voltar à cozinha com a disciplina de um soldado. Lá está a louça que precisa ser lavada. E lá estou eu a repetir as urgências maternas, as preocupações com as visitas que não virão, os gestos bruscos e desnecessários, o comando imperativo, o higienismo nazi, a obsessão com a limpeza.
Começo a lavar a louça sem pressa, sem urgência, numa espécie de concentração zen, como uma coisa que precisa ser feita e muito bem-feita para que a vida fique em ordem. Louças precisam ser lavadas e o tempo das louças não é o tempo dos homens. Faço o que prometi não fazer, e faço muito bem, obrigado.
Do fundo da memória ouço os gritos da minha mãe.