Enfim, Judith Butler, intelectual americana, uma das principais teóricas do feminismo, da teoria de gênero e das questões éticas respectivas, deu o ar de sua graça. Ela foi convidada para falar no seminário internacional “Os Fins da Democracia”, realizado no SESC Pompeia, em São Paulo, entre os dias 7 e 9 de novembro de 2017.
A palestra foi movimentada. Gazeta do Povo esteve lá e registrou as manifestações contrárias à vinda de Butler ao país. Fico sabendo que os manifestantes, muito ordeiramente, queimaram uma boneca de Judith Butler, no melhor estilo vodu. A grande ideia de quem não gosta das ideias de Butler é tentar impedi-la de falar e atear fogo à bruxa. Como se, no fundo, quisessem reviver da Idade Média o que de pior havia, na realidade ou na caricatura: a caça às bruxas, a fogueira em praça pública.
Sei bem que a Idade Média não foi só isso, nem predominantemente isso. Porém, no afã de defender valores que Tomás de Aquino defenderia, e com razão, alguns mais exaltados se utilizam de meios que Tomás de Torquemada utilizaria, e com gosto. O meio acaba sendo mais importante que a mensagem: proibir em vez de contestar; impedir em vez de refutar.
Não sou leitor de Judith Butler. Sou leitor de Camille Paglia. Não me comovem muitas das questões que comovem Judith Butler. Sou o primeiro a concordar que muitas das questões que comovem a feminista talvez nem sejam questões de fato, mas apenas gatilhos que disparam comandos ideológicos e não muito mais do que isso. Porém, se ela disser bobagens, que diga bobagens. Pois não há outro meio de proteger o meu direito de dizer bobagens, e eu adoro dizer bobagens, senão protegendo o direito alheio. Esse arranjo pode não ser o ideal, mas é o arranjo possível.
É terrível ser obrigado a concordar com o, aspas, filósofo Vladimir Safatle: “(…) o fato é que esse grupo não veio só protestar, eles pediram o cancelamento, e isso é completamente inaceitável”. O trauma de ter de concordar, ainda que brevemente, com Safatle, não me deixará dormir tão cedo.
Na petição online que pretendia cancelar a palestra, garantiam que a presença de Judith “não é desejada pela esmagadora maioria da população nacional”. Aposto que a esmagadora maioria da população nacional nem sabe, nem saberia, da existência da pensadora. Saberá agora, com publicidade gratuita. E invocar a “esmagadora maioria” é conjurar o Leviatã: nunca deu muito certo. A verdade é que, no Brasil, mais do que em qualquer outro planeta, direitista e esquerdista foram feitos um para o outro – caso tórrido de amor.
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