Memorial for Unborn Children - Martin Hudacek | Foto:

 

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No dia 12 de abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por oito votos a dois, julgar procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 (ADPF 54) e autorizar a interrupção “terapêutica” da gravidez de fetos anencéfalos. Desde então, as gestantes que optarem pelo aborto e os médicos que porventura fizerem a cirurgia abortiva não cometerão crime.

Que o aborto – e especialmente o aborto do anencéfalo, com todas as controversas sugestões eugênicas mais ou menos implícitas – tenha sido tratado não por meio de vagarosas (e necessariamente vagarosas) discussões éticas e legislativas, com a gravidade e a minúcia técnica que problema de tal natureza demanda, mas, ao contrário, na câmara muitas vezes obscura dos tribunais – ainda que supremos – da pátria, deveria causar espanto; contudo, não causou espanto a ninguém.

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Porque já ninguém mais se espanta, nesses tempos em que o poder de deixar viver e de fazer morrer é tratado com a ligeireza da opinião popular ou com a arbitrariedade da opinião judicial. Questão de tal ordem, no entanto, não poderia ter sido decidida assim, nalgum lugar indiscernível entre o asfalto e a toga.

Isso porque questões de tal ordem, como é a do aborto, são antes de tudo filosóficas, antropológicas, éticas, civilizacionais. Definem ou circunscrevem as fronteiras do que chamamos de humano, de humanidade, de vida e de morte, ainda que admitidas todas as discussões sobre conceitos sempre tão complexos e equívocos.

Não é possível deixar de considerar a decisão do Supremo Tribunal Federal, num longínquo e já esquecido abril de 2012, como ponta-de-lança, no país, de aceitação mais ampla, de riscos mais insidiosos, que envolvem muitos interessados – aparentemente mais nos efeitos que nas causas. De um lado, grupos de pressão – feministas, progressistas, politicamente corretos – que dão por provado o que se pretenderia provar; doutro lado, liberais  que só veem no aborto o exercício da liberdade individual. No meio, o Estado que trata como problema de saúde pública – ou de segurança nacional – tudo aquilo sobre o que intenta pesar sua mão forte.

Pois arrisco dizer o seguinte: nem uma coisa nem outra. O aborto não é nem problema de saúde pública, nem exercício de liberdade privada. O aborto não deve ser decidido pelo Estado, nem deve ser decidido unicamente pela mãe. É o tipo de ato eticamente irredutível. É o tipo de fenômeno que não se converte num ou noutro enquadramento ideológico.

Não é problema de saúde pública porque não é doença, nem epidemia, nem fome, nem contágio: é o nascimento ou a interrupção do nascimento de uma vida. Suas consequências sociais ou sociológicas, demográficas ou econômicas, morais ou antropológicas – para deixar de lado, de propósito, as religiosas – são graves demais para que burocratas, togados ou eleitos, tenham a última palavra.

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Também não é questão privada que só compete à mãe, como se se tratasse do exercício de uma liberdade, de um direito, de um “preceito fundamental”, numa espécie de latifúndio axiológico improdutivo à espera de ocupação. É incorreto hoje em dia dizer, mas é preciso que seja dito: o apelo aos direitos das autoproclamadas minorias, reais ou supostas, não vale como medida para que tudo se resolva como num abracadabra identitário.

Se o aborto é questão-limite, dessas questões que extrapolam o próprio direito, que estão mesmo à margem do ordenamento jurídico, então a resposta deverá sondar os limites – até o limite. Só há direito, pátrio ou internacional, porque há grupos humanos; só existem leis e normas porque há humanos vivos que as editam, que as aplicam, que as padecem. Noutras e mais diretas palavras, parafraseando o texto bíblico: o homem não foi feito para o direito; o direito foi feito para o homem.

Mas alto lá! Essa sentença não significa que o direito é massa de modelar de grupos ou de indivíduos, sejam quais forem; significa, isto sim, que o direito deve proteger o homem, promover a vida, resguardá-la tanto quanto possível de apressadas considerações que, dados os seus desdobramentos lógicos, terminarão por ameaçá-la e extingui-la.

A possibilidade de que o aborto seja um atentado – dos mais graves – à vida humana em seu nascedouro deveria afastar ideólogos de um lado e de outro. É problema a ser cuidado com profundidade filosófica, com amplitude de visão, com apurado sentido ético, com informada metodologia científica – com inescapável compaixão, enfim. Compaixão pelas mães, certamente, que sofrem das dores do parto; mas também pelos frutos dessas dores, todos aqueles que sem saber de choro e ranger de dentes, estão ansiosos por nascer.

É disso que trata o livro Contra o aborto (Editora Record) – mais que investigação: apelo a uma tomada de consciência – do filósofo Francisco de Assis Razzo. A hora não podia ser mais própria.

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