por Gilberto Morbach
Hoje, a continuidade é de natureza dúplice: continuam as indicações, continuam elas tratando sobre obras inseridas na tradição do direito natural. Agora, se The Morality of Law (Fuller) trazia uma abordagem (mais) procedimental, o livro de hoje traz uma proposta de jusnaturalismo muito mais substantiva. Trata-se de Natural Law and Natural Rights, de John Finnis.
Até aqui, vimos que a teoria do direito passa por uma série de questões conceituais e fundamentais, de ordem ontológica e epistemológica. O que é o direito? Qual é sua função? Qual é, quais são as relações entre as esferas do direito e da moral? Com Hart, por exemplo, vimos que o positivismo jurídico responderá sempre a partir de suas grandes teses, sendo uma delas exatamente a separabilidade conceitual entre direito e moral.
Agora, se o positivismo é um conceito muito mal compreendido ao longo da história, o mesmo pode ser dito sobre o jusnaturalismo. Na medida em que a tradição do direito natural é vista como uma contraposição às concepções positivistas, poder-se-ia pensar que, bem, então o jusnaturalismo vai necessariamente negar a autonomia do fenômeno jurídico em relação à moralidade. Como sempre, tal como dizia Oakeshott, la verité reste dans les nuances: a verdade está nos graus, nas nuances. Não é bem assim.
Finnis, com amparo em Aristóteles e São Tomás, não diz que há uma conexão necessária entre a moralidade e o direito positivo. Leis, afinal, podem ser imorais e ainda assim serem leis. A questão é que, como bem define Ana Luíza Rodrigues Braga,
o direito natural respeita o critério formal de validade conferida pelo positivismo jurídico, ao mesmo tempo em que reafirma que o reconhecimento de sua positividade . . . não pode ser entendida sem uma compreensão dos princípios morais que fundamentam e confirmam a sua autoridade.
Lex iniusta non est lex? Não exatamente. Uma lei injusta, com Finnis, pode muito bem ser legalmente válida e legalmente vinculante; ocorre que, se ela é injusta, é porque ela não guarda consistência com os princípios morais subjacentes ao próprio direito enquanto conceito; sem essa consistência, ela não obriga moralmente o cidadão a que se dirige.
A tese das fontes como critério de validade formal é claramente compatível com o positivismo. Entretanto, é possível dizer que, enquanto a obra de Hart adota a perspectiva interna daquele que aceita uma lei como válida, Finnis adota o ponto de vista interno daquele que aceita a lei poracreditar que leis válidas criam obrigações morais. A valoração moral, portanto, é um elemento fundamental na teoria do direito de Finnis; nesse ponto, sim, a contraposição à metodologia positivista é forte e evidente.
A teoria do direito de Finnis, portanto, é muito mais que uma teoria do direito em sentido estrito: é uma teoria completa no âmbito da razão prática. Em suas respostas às perguntas que considera fundamentais nesse projeto muito mais amplo, Finnis parte da ideia de que há certos bens humanos básicos, valiosos em si mesmos, necessários ao desenvolvimento humano: a vida, o conhecimento, o jogo (no sentido de experiência lúdica), a experiência estética, a sociabilidade (amizade), a razoabilidade prática, e a religião (em sentido amplo, de uma demanda humana pelos fundamentos da própria natureza e do próprio lugar no universo). Porque não há uma hierarquia prévia entre esses bens, plurais e incomensuráveis, são necessários princípios a partir dos quais podemos escolher entre opções que promovem bens distintos. Nossas escolhas morais, assim, são e devem ser guiadas pelas exigências básicas da razoabilidade prática (e.g. nunca agir diretamente contra um bem básico, não estabelecer preferências arbitrárias entre pessoas ou entre os bens básicos, etc.) Temos, assim, bens básicos e princípios mínimos que orientam uma escolha racional.
Muito bem. E o direito? O direito, na teoria finnisiana, é derivado exatamente dessa preocupação primeira com a filosofia moral. Primeiro, há certos bens comuns que podem ser melhor realizados por meio do tipo de coordenação social que o direito oferece; segundo, há também a questão de que a construção de uma comunidade política é parte integral daquilo que faz parte de um ideal de boa vida. Conceitualmente falando, então, o direito tem uma função: promover, auxiliar na busca do bem comum por meio da coordenação social possibilitada por normas jurídicas dotadas de autoridade; dotadas de autoridade porque criam razões para agir, criam razões para agir porque de acordo com os critérios morais anteriores que lhe servem de fundamento.
Parafraseando Brian Bix, enquanto Hart perguntava sobretudo “What is law?”, Finnis dá mais atenção a “Why is law?”. Em Finnis, então, o leitor encontrará uma abrangente, complexa e rica teoria ético-jurídica, cuja contribuição para a teoria do direito está na compreensão de que o direito deve ser compreendido no contexto maior da vida boa, da razão prática; deve ser compreendido a partir da função que tem e das razões morais para agir que pode e deve oferecer.
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