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Eleanor Roosevelt foi a primeira presidente da Comissão de Direitos Humanos, em 1949 - Foto: Reprodução/ONU
Eleanor Roosevelt foi a primeira presidente da Comissão de Direitos Humanos, em 1949 - Foto: Reprodução/ONU| Foto:

A Declaração Universal dos Direitos Humanos fez aniversário esta semana. Como era de se esperar, o manjado samba-enredo: os direitos humanos foram cooptados pela esquerda (ou por grupos diversos) com intuitos pouco nobres, e terminaram se transformando nos direitos dos “manos”. Ruim com ela, melhor sem ela.

Alguma razão há na loucura, diria Nietzsche. Entretanto, este é um daqueles casos em que os mais apressados preferem deitar fora o bebê, que já não é grande coisa, em vez da água suja do banho. Historicamente, a Declaração… e a filosofia que a inspira têm origem na ressaca do totalitarismo da primeira metade do século XX.

Sabemos que o Estado negou ao cidadão o estatuto de pessoa humana, e fez dele gato, sapato, cigano, cristão, negro, judeu, doente. O morticínio em escala industrial foi o efeito de que essa negação ontológica é a causa: se não reconheço o Outro como pessoa, como ser (humano) digno de compaixão e direitos inalienáveis, então não há problema algum em eliminá-lo.

Vê-se que os direitos humanos são direitos liberais (e até certo ponto conservadores), de acordo com o liberalismo negativo (Isaiah Berlin); ou seja, prevalece a visão de que é melhor que o Estado tenha menos poder sobre mim, por princípio, mesmo que para isso eu tenha de esperar menos dele.

É preciso resgatar o sentido forte e original dos direitos humanos, ainda que tenha sido usurpado para fins ideológicos (e foi). Não nos esqueçamos de que a pobreza, por exemplo, também foi instrumentalizada por certa teologia espúria, conquanto nunca tenha deixado de ser legítima e recorrente preocupação cristã.

Num mundo de tantas e tamanhas intromissões do Estado e das corporações no controle econômico e biopolítico da vida, a ideia de dignidade humana, intuída filosoficamente, reconhecida juridicamente, surge como mínimo ético, marco político – nem de longe suficiente, sempre necessário – a partir do qual as relações entre indivíduo e Estado se estabelecem.

Até mesmo as relações penais e, por que não?, jusfilosóficas de natureza civil. Sei bem que organizações abortistas empunham a bandeira dos direitos humanos (das mulheres) para ferir ou negar os direitos humanos (dos nascituros).

Porém, o erro é acidental, mais do que de substância: no embate entre valores e valores e direitos e direitos, o direito à vida (do nascituro) se sobrepõe àquele que depende da vida para ser reconhecido, como a dignidade, a liberdade etc.

Não me parece haver um problema essencial com a ideia de direitos humanos, se lidos sob a ótica do direito natural e das garantias constitucionais, mas sim com o encaixe entre teoria e prática, com a hierarquia ética de uma dada cultura, com o balanceamento axiológico que há de ser feito, e há de ser feito pelos agentes concretos em disputa. Em suma: diretrizes não dispensam a consciência.

O Códigos Penal, a propósito desse ponto tão controverso, serve para circunscrever – e, portanto, limitar – o poder de polícia do Estado; se não for material e processualmente obedecido, o poder estatal se transforma em arbítrio, e isso é a antessala do totalitarismo. De certa maneira, e peço que me entendam com boa-fé, os direitos humanos são também “dos manos”: aqueles que estão sob tutela penal do Estado – e que, ao menos potencialmente, somos todos nós.

Resta evidente que qualquer documento, em si mesmo, é letra morta. Resoluções, declarações, comitês, manifestos e cartas não bastam, sem uma compreensão humanística profunda e sem o respeito sincero às divergências, o que não pode se tornar passe-livre para a gana reivindicatória tão nossa conhecida. Ainda assim, num mundo em que há poucos consensos e muito ruído, é provável que, ideologia à parte, se está ruim com a Declaração…, pior seria sem ela.

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