Tomo conhecimento de que neste mês de janeiro, ano 2019 da Era Cristã, logo depois do Big Bang, da descoberta do fogo, da encarnação de Cristo, das invasões bárbaras, das Cruzadas, do Iluminismo, das grandes navegações, da Primeira Grande Guerra, da Segunda Grande Guerra, do holocausto judeu, do holocausto ucraniano, do boicote aos ônibus de Montgomery, da chegada do homem à Lua, das dúvidas sobre a chegada do homem à Lua, da queda do Muro de Berlim, do fim da história, do 11 de setembro, do 7 a 1 – neste janeiro comemoramos a efeméride “Januhairy”, neologismo inglês para designar urgência universal: “Janeiro Peludo”.
Consiste no seguinte: mulheres revoltadas com os padrões estéticos que lhes são impostos pela sociedade patriarcal, judaico-cristã, greco-romana, capitalista e selvagem, branca e burguesa, ortodoxa e machista, boba e feia, protestam deixando o capim crescer livremente nas pradarias da pele e nos latifúndios do corpo, reentrâncias inclusas. Elas não depilam as axilas, as pernas, os braços, o buço, a virilha, as pudendas partes. Só depilam mesmo a sobrancelha e desenham o logo da Nike no lugar. De resto, elas não se depilam e não há conversa. Se pudessem, fariam implantes capilares.
E não se depilam com o intuito nobilíssimo de confrontar os valores e as imposições de nós outros. Eu, você, seu primo, o José da padaria, o Danilo Gentili. A civilização ocidental todinha, de preferência. Está tudo errado, estão todos errados, os incomodados que se mudem. Corajosas como aquelas que enfrentam as amenidades do mundo islâmico, pró-ativas como as mulheres-bomba, resilientes como as domiciliadas nos acampamentos do Boko Haram, essas moças e senhoras muito ocidentais, cheias de pelos e dedos apontados na cara da sociedade, têm um recado: não lhes imponhamos nossos padrões de beleza.
Parece-me justo e mais do que justo. Que essas medidas e exigências estéticas lhes sejam impostas é escândalo que clama aos céus. As editoras de revistas femininas e de páginas no Instagram, invariavelmente feministas; os editores de revistas femininas e de páginas no Instagram, invariavelmente gays – todos deveriam se emendar. Sim, feministas, gays, não necessariamente nessa ordem. Porque já escrevi algures, já afirmei alhures, que os padrões, se existem, e se são mesmo exigidos, não existem nem são exigidos por homens heterossexuais.
Não pretendo entrar em detalhes porque há crianças na sala, seu filho está a mexer no tablet sem a sua supervisão, mas deixo assim subentendido: homens heterossexuais, aqueles de antigamente, cheios de defeitos, não sabem de padrões tão estritos. Uma breve e científica prospecção nos melhores sites de entretenimento adulto (gratuitos, quase todos) revelará a terrível verdade: nós, homens heterossexuais, gostamos de qualquer uma. Vocês querem o George Clooney, nós queremos a sua prima. Vocês suspiram pelo Henry Cavill, nós espiamos a vizinha.
Gostamos, repito, de qualquer uma, e temos critérios bastante laxos a respeito disso. Quase nem são critérios. Nova, por ser nova; velha, por ser velha (categorias: “milf”; “madura”. Pesquisar…); gorda, pelo fato de sê-lo; magra, idem. Seios grandes, enormes; seios pequenos, nenhuns. Negra por negritude, loira por loirice. Ruivas? Sempre. Mulatas? Agora. Orientais? Duas. Casadas, solteiras. Baixas e altas. Ricas, pobres. Sofisticadas e vulgares. Há quem goste de anãs, de obesas, de orientais, de amputadas, de nascidas em Ferraz de Vasconcelos. Há quem goste de mulheres que só gostam de mulheres. Existe quem adore as carecas e até quem goste das… peludas. Que coisa.
Agora, temos outra questão envolvida. Os cuidados estéticos e higiênicos, diferentes entre homens e mulheres, mas constantes entre os diversos povos e culturas, respondem a valores e hábitos mais ou menos aceitos ou esperados. Têm relação com os hormônios, as necessidades, a linguagem, as tradições e os ritos de acasalamento, se me permitem uso de termo tão pouco romântico. A atração sexual e o enlace amoroso entre bichos humanos não se resumem no engate; antes, dependem de uma série de códigos e gestos, de aproximações e distanciamentos, que são traduzidos também por roupas, perfumes, excesso ou ausência de pelos, de cosméticos, de caras e de bocas, de nãos e de sins.
Que as mulheres, algumas ou muitas delas, descartem isso tudo, rejeitem essas engenharias, desprezem esses protocolos, isso é com elas. São decisões e escolhas individuais: parece-me justo e nada mais do que justo. Esclarecidas como são, espero que também compreendam facilmente que as preferências e escolhas do outro sexo podem vir a ser outras. Em miúdos: sejam peludas o quanto queiram, contanto que não reclamem nunca da falta de peludos muito entusiasmados à volta.
Happy Januhairy!
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