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É errando que se aprende a errar

Desembarque de Cabral em Porto Seguro (estudo), óleo sobre tela, Oscar Pereira da Silva, 1904. Acervo do Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro. (Foto: )

Estamos apenas no décimo segundo dia da atordoante Era Bolsonaro. Assunto para comentaristas políticos não há de faltar; para humoristas também não. Depois da polêmica ascensão do filho do vice-presidente ao posto de assessor especial do Banco do Brasil, o presidente indicou um amigo para um cargo na Petrobras. 50 mil por mês. Dizem que é competente, mas o problema não é esse. Bolsonaro foi bastante enfático, durante a campanha, em prometer que escolheria gente por critérios rigorosamente técnicos. Com a indicação de amigos e apoiadores ideológicos para muitos dos cargos, ele contraria os próprios princípios e desmente as próprias verdades. Questionado, foi ao Twitter pedir irônicas desculpas “a parte da imprensa” por escalar “amigos e não inimigos” no governo. Não carece, presidente. Sabemos muito bem como funciona: são os amigos, sempre os amigos, que brilham nos governos, desde a chegada das caravelas ao litoral da Bahia. Prática conservadora. Nada que Tutankamon, Sarney, Maluf e Lula já não tenham feito. De fato, ninguém espera que o presidente indique inimigos. Vocês acham mesmo que Fidel Castro e Hugo Chávez indicaram inimigos? Nana-nina-não. O problema é indicar amigos pelo motivo expresso de serem amigos. Não bastasse, nota-se a disposição presidencial de fazer da imprensa a inimiga do governo; quiçá, da pátria. Não há nada que aconteça que não seja atribuído à imprensa, de um jeito ou de outro. A culpa nunca é dele, de seus ministros, de sua equipe de comunicação, de seus filhos tão queridos. A culpa é sempre nossa: dos “inimigos”. Afinal, não somos “amigos”. Esse é o ponto.

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Em tempo: a promessa não era, afinal de contas, privatizar tudo? Pois, ao que parece, tem gente demais sendo nomeada para cargos em estatais que seriam vendidas. Paulo Guedes deve estar de bico, com essas tantas nomeações estratégicas.

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A bagunça é tão grande que alas diferentes do governo começam a não se entender, e a não entender alguns de seus apoiadores. Bene Barbosa, talvez o mais conhecido e consistente estudioso brasileiro sobre a questão das armas, foi repreendido pelos filhos do presidente, Carlos e Eduardo, que ocupam as precípuas e republicanas funções de filhos do presidente. Bene ousou questionar as tímidas medidas no decreto presidencial sobre o Estatuto do Desarmamento. Mesmo tendo votado em Bolsonaro e não sendo um “inimigo”, não escapou da truculência argumentativa de Carlos e Eduardo. Fogo amigo, com o perdão do inevitável trocadilho.

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Enquanto isso, na Casa Civil, Onyx Lorenzoni protagonizou um esquete digno dos melhores do Monty Python. Com o nobre intuito de “despetizar” o governo, o ministro saiu demitindo meio mundo, sem maiores critérios nem investigações. Quem tinha cara de petista foi mandado embora. Mourão chegou a declarar que talvez tenha faltado “mais carinho” ao chefe da Casa Civil. Pois bem. Quem joga prato no chão, tem de recolher os cacos; quem demite, tem de contratar. Quando quis contratar, o astuto Onyx descobriu que havia demitido quem cuida de demissões e contratações. Alguns despetizados foram readmitidos para despetizar os outros. A coisa é tão absurda que só pode ser mentira. Ou, pensando bem, só pode ser verdade. Como dizia Tertuliano, “creio porque é absurdo”.

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Outra promessa de campanha, lembro muito bem, cuidava de acabar com a (EBC) TV Brasil, chamada então de “TV do Lula”. De acordo com Bolsonaro, a tevê pública serve como cabide de empregos, sempre deu traço de audiência e custa 1 bilhão por ano. Ocorre que o governo mudou e, vocês sabem, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Decidiu-se que a empresa não será mais extinta. Quais eram as críticas mesmo? Ah, sim: servir de cabide de empregos, dar traço de audiência e custar 1 bilhão por ano. Questão de reposicionamento de marca: aposto que a TV do Bolsonaro será um sucesso de audiência.

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Na Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), um certo Alex Carreiro foi demitido com uma semana de trabalho (critérios técnicos, lembremos). Descobriu-se que ele não entende de exportações e investimentos e, coisa irrelevante, não sabe inglês. Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores, sujeito que não gosta muito de ter relações nem exteriores nem interiores com ninguém, comunicou a demissão, que não foi acatada pelo demitido. Carreiro cumpriu expediente no dia seguinte, até por fim ser demitido de verdade por Bolsonaro. Mas, para ninguém ficar triste, o destino do monoglota deve ser a assessoria do PSL no Senado. A política fala muitos idiomas além do inglês.

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Provérbio Número 1 da Nova Era: “É errando que se aprende a errar”.

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