Hoje quero deixar consignadas uma ou duas palavrinhas sobre os nossos pequenos: criança (seu filho, meu filho, o filho do vizinho) mente. Sempre que ouço alguém dizer: “Criança não mente!”, tenho ganas de agarrar o ingênuo pela gola da camisa e, olhos arregalados, gritar: “Eu mentia! Eu mentia! Eu juro que mentia!”
Toda criança mente e, a depender da criança, mente muito. (Imaginem o Lula pequenininho. Prefiro não imaginar.)
É claro que existem nuances. A mentira, para os pequenos, não vem sempre carregada de conteúdo moral. A mentira infantil é invariavelmente resultado de três coisas: fantasia desordenada, estímulo adulto ou instinto de preservação.
Crianças mentem porque fantasiam, relacionam pessoas, coisas e eventos: misturam-nos, embaralham-nos, confundem-nos, sonham-nos, e isso é bastante perigoso. Também mentem quando adultos esperam confirmações.
Mais de uma vez presenciei pais, professores, “perguntando” coisas a crianças da seguinte maneira: “Joãozinho bateu em você, não bateu?” “Seu pai brigou com a mamãe, não brigou?” A criança percebe que a mãe, o pai e o professor esperam uma confirmação. E, tendo ou não Joãozinho batido, tendo ou não o pai brigado, confirmam.
Crianças também mentem, mais espontaneamente, por autopreservação. Muito cedo na vida nós aprendemos a desconversar quando fazemos algo de errado. Treinamento para a vida pública. Não é preciso ser um Albert Einstein para concluir que, se o prato foi quebrado, se a carteira foi mexida, se o fogo foi brincado, nem mãe nem pai ficarão felizes com isso.
Eu, por exemplo, detestava fazer educação física. Era fraquinho, branquinho, medrosinho. Quase um candidato do PSDB.
Certo dia, amanheci com dores de cabeça (verdadeiras) e minha mãe me deixou ficar em casa. Como um Buda que tivesse súbita iluminação, compreendi que dores de cabeça significavam cuidados maternos; cuidados maternos significavam menos escola; menos escola significava menos educação física.
Resultado: passei dois anos tendo dores de cabeça (imaginárias). Fui a neurologistas, benzedeiras, psicólogos, mas ninguém foi capaz de curar uma dor de cabeça que só existia na minha cabeça. Eu já estava começando a ficar com dor de cabeça de verdade, de tanto franzir o cenho para sentir a dor de mentira.
Como um milagre, veio-me a cura quando me cansei de fazer expressão de dor nos dias das aulas de educação física. (Ou quando um professor novo apareceu, jogou uma bola de futebol na quadra e mandou que brincássemos livremente? Já não me lembro mais. Jogar futebol era a única coisa de que eu gostava.)
A criança é uma fingidora, finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.
Pais, mães, professores, eis a verdade: seu filhinho – tão querido! – mente à farta. Ele é bonitinho (às vezes é feinho; daí quem mente é você), mas é mentiroso como um judas. Ofereçam-lhe trinta balas mastigáveis que ele entrega às autoridades Cristos, Socrates, Luther Kings.
Seres humanos, mesmo quando crianças, não são os bons selvagens, os puros selvagens, de que falava Rousseau. Somos todos uns diabinhos em vias de desenvolvimento. Começamos mentindo na infância, terminamos mentindo na campanha eleitoral e além.
E Jean-Jacques Rousseau, a propósito, mentia que nem criancinha.
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