Groundhogday (2005) Reprodução| Foto:

No filme Groundhog Day (1993), de Harold Ramis, Phil Connors (Bill Murray) é um excêntrico e ególatra repórter de meteorologia escalado para cobrir o tradicional evento conhecido como “Dia da Marmota”, numa cidadezinha da Pensilvânia.  Ele detesta cada minuto e cada centímetro de tudo, e sua distração é ser meticulosamente desagradável com todos à volta, inclusive a produtora por quem se sente atraído, Rita Hanson (Andie MacDowell). Acontece que o desgraçado dia acaba e ele desperta no dia seguinte – que é, na verdade, o mesmo dia. Preso nessa armadilha temporal, terá de melhorar seu comportamento, aprender com a repetição e, quem sabe, amadurecer o suficiente para, enfim, merecer o dia seguinte.

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Por algum motivo me lembrei desse filme ao assistir à enésima menção de Eduardo Bolsonaro aos perigos da esquerda e às benesses da ditadura militar, em entrevista a uma amistosa Leda Nagle. Cada país tem o Bill Murray e a Andie MacDowell que merece. Poucos dias atrás, no Plenário da Câmara, o ex-quase-embaixador e dublê de Ronald McDonald já antecipava as consequências de manifestações semelhantes às do Chile, caso acontecessem por aqui. Nem sinal delas, mas antes prevenir do que remediar. Dias depois, como quem precisasse se fazer entender ainda melhor, foi obsceno: se a esquerda radicalizar, talvez precisemos de outro AI-5. Na verdade, tudo é motivo para quem não precisa de motivos.

Tal pai, tal filho. O governo eleito, de comportamento passivo-agressivo, não consegue se convencer de que foi eleito. Eleito, registre-se, “democraticamente”, como diria Marina Silva. Dilma foi impedida, Lula foi preso, Temer organizou o Estado e entregou um país melhor do que recebeu, o PSDB saiu das eleições mais morto que vivo, mas nada disso é suficiente para aplacar a vontade de poder e a mania de perseguição. Como se estivessem presos nalgum interminável dia entre, digamos, a Crise dos Mísseis de Cuba e a queda do Muro de Berlim, os Bolsonaro investem contra os moinhos de vento da desarticulada e atônita oposição brasileira, numa campanha presidencial que teve começo, mas parece não ter fim.

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Não sei o quanto há nisso de patológico e o quanto há de metodológico. Alguns comentaristas veem em tais atitudes e declarações uma deliberada estratégia de governo – no caso: desgoverno –, com o diabólico intuito de testar e empurrar os limites do aceitável e, assim, esticar a corda da normalidade democrática, até que ela se rompa (ou que se justifique seu rompimento). Cá entre nós, esse tipo de ideia soa inteligente demais para uma gente inteligente de menos. Pode ser? Pode ser. Pelo sim, pelo não, fiscalizemos. Mas é possível também que tudo se resuma ao reacionarismo mais tosco, à manifestação do populismo mais barato, à falta de modos à mesa do poder. A diferença, pelo jeito, é que o dia pode se repetir e repetir e repetir o quanto queira, que tão cedo não haverá melhora, aprendizado, amadurecimento. Na cidadezinha chamada Brasil, teremos de reviver o Dia da Marmota pelo menos até 2022.