Depois de liberar geral para americanos, japoneses, australianos e canadenses, e abrir mão do passarinho na mão da OMC em troca dos passarinhos voando na OCDE, Bolsonaro declarou em entrevista à insuspeita Fox News que “a grande maioria dos imigrantes em potencial não tem boas intenções nem quer fazer o bem ao povo americano”.
A presidencial capacidade de simplificar tudo, de tomar problemas complexos e trata-los a golpes de frases de efeito, impressiona até quem não se impressiona com nada e espera tudo. Não precisava ser assim: em boca fechada não entra oposição, e de oposição ao governo bastam os filhos.
Como era de se esperar, as reações dividiram-se entre a vaia e o aplauso. O eleitorado fiel aos acertos e fidelíssimo aos erros do presidente flertou com a xenofobia pura e simples. É uma pena que, depois de tanta propaganda, parte do improvisado conservadorismo nacional tem se resumido aos arraigados preconceitos nacionais.
O problema é que a fala não pegou bem.
A tevê conservadora não parece ter sido amistosa com o presidente, a reação internacional foi ainda menos afável e, para não variar, ele recuou e desdisse o que dissera. Segundo o Messias, “cometeu um equívoco”. A boa notícia é que gostar de Bolsonaro, enfim, pode ser apenas uma questão de timing – entre a declaração desastrosa e o pedido de desculpas, entre a mentira e o desmentido, entre o avanço e o recuo. É só esperar que ele muda de ideia.
Vai saber, uma hora até acerta.
“Foi um equívoco meu. Boa parte tem boas intenções, a menor parte, não. Peço desculpas aí”.
As desculpas chegaram aqui, excelentíssimo. Está desculpado – de novo.
Esse é o problema de quem não se convence de que já venceu a eleição, já ocupa o cargo almejado e já tem responsabilidades outras, imensas, complicadas e urgentes além de bater palma para militância dançar. Falando nela, pergunto: onde fica mesmo a vergonha que deveria estar na cara de quem defendeu a bobagem dita pelo presidente?
Quem souber, favor enviar cartas à redação.
O rol de problemas é extenso demais para ser tratado como uma coisinha de nada em meio a diatribes e disparates que dividem, em vez de unir. Enquanto Bolsonaro comete seus deslizes verbais e aprende que o mundo em torno não está lá muito católico para deslizes do tipo, aqui no Brasil o Congresso conta os minutos para atrapalhar ainda mais a nossa vida.
Depois da reforma da Previdência, imprescindível para que o país não feche as portas de vez e se declare protetorado americano, existem reformas e medidas tão importantes quanto. A Previdência é causa necessária, não suficiente, do nosso crescimento a longo prazo.
Todo mundo terá de ceder um pouco e mais do que um pouco, a começar pelo vespeiro do funcionalismo público, zangões militares inclusos, o que pelo jeito dará trabalho para são Paulo Guedes. Que encontre um atalho para o caminho de Damasco, em meio às tentações, porque o tempo urge e ninguém sabe o dia nem a hora.
Por essas, por aquelas, por tantas outras, precisamos que Bolsonaro faça política, boa política, nova, velha, remendada, realpolitik: a negociação realista, porém firme, com os protagonistas, coadjuvantes e figurantes envolvidos. Se preciso, abra mão do acessório para não perder o essencial.
Os quase 60 milhões de votos foram votos de confiança na abertura econômica, no controle da inflação, no crescimento do emprego, na política de segurança, na redução e simplificação da carga tributária e num honesto plano de educação pública de base. Isso é o essencial. Combater os moinhos de vento do globalismo é o acessório.
Que Bolsonaro faça ouvidos moucos às três dúzias de ideólogos que o rodeiam, e se atenha ao que de fato é objetivo e importa para a gente comum que o elegeu. Que não se meta em disputas geopolíticas que não são nossas, e não prefira este ou aquele para trocar figurinhas, mas todos: quem tem dinheiro para comprar, compre. Os grandes fazem isso; façamos também nós. De resto, o conveniente – mas não estridente – alinhamento deve ser com os EUA, e não com Donald Trump. De país para país, não de homem para homem, nem de meme para meme.
Homens vêm e vão; países ficam.