Certa feita, os colegas de Tomás de Aquino quiseram se aproveitar de sua ingenuidade, mais suposta que verdadeira, para fazer troça. Chamaram-no às pressas, gritando: “Tomás, veja, há vacas voando!” Tomás foi à janela para ver o estranho fenômeno e, por óbvio, não havia nenhuma vaca. Riram-se dele. Ao que ele respondeu: “Prefiro acreditar numa vaca voando do que apostar que um irmão está mentindo”.
Tomás de Aquino tinha senso de humor, certamente, mas a resposta dá o tom do que deveria ser uma sadia comunidade política: uma “sociedade de confiança” (Alain Peyrefitte), disposição do espírito que não pode ser ignorada (e tem sido) nem substituída por desenhos institucionais ou mecanismos políticos. A disposição à boa-fé é o fertilizante dos debates, da ética pública, da democracia, do processo de mercado e do império do direito.
Por essas e por outras, quando Jean Wyllys anunciou que renunciaria ao mandato e iria embora do país, acreditei em suas preocupações e decidi respeitar o seu medo. Sei que muitos duvidam de sua honestidade, e não é para menos: ele pratica bem pouco de tudo aquilo que cobra ou espera em grande quantidade dos outros: respeito e boa-fé. Afinal, cusparada em adversários políticos não é argumento nem gesto civilizado. Mas não preciso de Jean Wyllys para defender Jean Wyllys.
O jornal O Globo divulgou as muitas ameaças que o deputado tem sofrido. Aparentemente, o que ele alega é verdade. Sendo verdade, sua decisão de se mudar de país é compreensível. Quem está disposto ao martírio? Eu não estou. Também não serei eu a pregar coragem com a pele dos outros. Além disso, Wyllys pode ter ficado desgastado com o ambiente político e resolveu dar um tempo de tudo; isso não é covardia. Muitos fariam o mesmo caso Haddad vencesse. São opções, escolhas e protestos legítimos.
O que não me parece razoável é o elã autoritário ou cínico de quem duvida, por princípio, de tudo o que um adversário alega. Se veio de Jean Wyllys (ou de quem não gosto), só pode ser mentira ou marketing político. Num país em que uma vereadora é executada, um outro vereador é alvo de tiro, um candidato à presidência sofre uma tentativa de assassinato – tudo isso em poucos meses, às voltas de uma mesma corrida eleitoral –, é bom prevenir em vez de remediar.
Já quanto ao marketing político e à capitalização do medo, importa não esquecer que muita gente – incluindo Flávio Bolsonaro – aproveitou-se da facada para garantir: “Vocês acabaram de eleger o presidente, vai ser no 1º turno!” De fato, depois do atentado não houve mais campanha. Bolsonaro sentou e esperou pela vitória. Como se diz em futebol, administrou o resultado. Marketing político? Não sei e não me importa. Só sei que foi assim.
Numa sociedade de confiança, atentados e execuções políticas não aconteceriam, ou aconteceriam raramente; caso acontecessem, seriam investigados com rigor, como aliás quer o vice-presidente Hamilton Mourão. Também numa sociedade de confiança políticos não mentiriam sobre coisas graves como atentados, nem se aproveitariam da intimidação. Numa sociedade de confiança, o debate seria mais honesto e um pouquinho mais civilizado, sem cusparadas, facadas e violência.
Mas, e se Jean Wyllys estiver mesmo fazendo cena e mentindo para o distinto público? Pois aqui eu me lembro de outro filósofo cristão, Blaise Pascal. A respeito da existência ou não de Deus, ele propôs uma solução prática, trivial até, que consistiria no seguinte: é melhor apostar que Deus existe, do que o contrário. Caso eu acredite em Deus e ele não exista, não perderei nada ou perderei pouco; caso Deus exista e eu o negue, perderei tudo e a eternidade.
Mutatis mutandis, na mesquinha ética pública e na intranscendente vida política acontece o mesmo: prefiro apostar na boa-fé e na confiança. Caso eu acredite no adversário e ele esteja mentindo, quem perderá a credibilidade será ele, não eu; caso ele esteja dizendo a verdade e eu zombe de suas preocupações, quem perderá a credibilidade serei eu. Como Socrates bem ensinou, é melhor sofrer uma injustiça que cometê-la, e por isso lamento as ameaças de morte que Jean Wyllys tem sofrido, e acredito nelas; também lamentei quando Bolsonaro foi esfaqueado. Por isso defendo Jean Wyllys, a despeito de Jean Wyllys.
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