Enquanto Jean-Jacques Rousseau pregava a inocência fundamental do homem em estado de natureza (e na prática estimulava a violência fundamental na democracia direta), Thomas Hobbes, sujeito muito mais razoável, com aquele bom senso inglês de costume, sabia o que desde Adão e Eva, Caim e Abel, Liam e Noel, todos nós sabemos: o homem é o lobo do homem.
Deixado solto, sem o arcabouço legal e os valores e regras morais da sociedade, o bicho humano volta ao estado mais primitivo e violento, troca a fala articulada por grunhidos, o computador pelo tacape, a razão por instintos.
No estado da natureza, o exemplar mais ordeiro da espécie sapiens tende a se transformar no Ciro Gomes.
Eu adoraria comentar fartamente sobre a política econômica de Ciro Gomes, analisar cada uma de suas diretrizes, esmiuçar seus argumentos e apontar suas virtudes, que imagino sejam muitas, mas confesso não fazer a mais vaga ideia do que seja a política econômica de seu plano de governo.
Não entendo patavina do que ele fala sobre, nem quando ele explica dando aquela balançadinha no corpo.
Sei que há desenvolvimentismo, inflação com gosto de mil novecentos e oitenta e poucos, muito estatismo e qualquer coisa sobre a taxa de juros, o capital estrangeiro, a conjuntura internacional, as veias abertas da América Latina e o Roberto Mangabeira Unger.
Como sou um neoliberalzinho de merda, ignoro tudo o que aconteceu de interessante na época em que Ciro Gomes transformou o Ceará em Singapura e o Nordeste no Vale do Silício tropical. Se tão valorosa obra não me sinto capaz de compreender, resta especular sobre homem.
O estilo é conhecido. Ciro Gomes não pensa: trepida. Deve colocar em desespero a própria equipe de campanha, porque basta qualquer pergunta um pouco mais complexa sobre seus propósitos e rumos, ideias e soluções – por exemplo: “O que o senhor pretende comer no almoço, candidato?” – para que liberte o Lampião interior e solte a língua como um chicote no lombo do desrespeitoso interlocutor.
Estranhamente, ele tem sido o candidato de muitos que acusam Jair Bolsonaro por suas tendências autoritárias, agressivas, preconceituosas. Bolsonaro as têm, a seu modo. Mas Ciro Gomes, que faz tempo é linha auxiliar e namoradinho não correspondido do petismo, tem espírito muito mais violento e obcecado pelo poder que qualquer outro.
O fato de que, além da belíssima Patrícia Pillar, tantas mulheres progressistas defendam Ciro Gomes, deve ter alguma relação metafísica com o sucesso recente do personagem Christian Gray, ou talvez com o sucesso passado de Jece Valadão. A respeito da candidatura de Marina Silva, por exemplo, disse que o “momento é de testosterona”.
Que progressista.
Pelo jeito, nem todo progresso é para frente quando a ideologia do freguês está em jogo. Mulheres, favor discutir o relacionamento.
A ficha corrida de seus discursos e de suas diatribes é longa, mas entre todas a mais interessante fala é aquela em que ele promete receber Sérgio Moro “a bala”, caso o juiz venha a acusa-lo de alguma coisa. Poderia ter sido somente uma resposta intempestiva, no calor do momento, mas não foi bem assim.
Justificou e reafirmou seu, aspas, respeito à lei e à ordem no mais recente debate entre os presidenciáveis. Confirmou a história sobre Sérgio Moro. Atirar contra juízes é, em seu larvar entendimento de civilização, exercício de legítima defesa.
Ciro Gomes é sturm und drang, tempestade e ímpeto, tapas e beijos, amor e poder. No estado da natureza, adivinhava Thomas Hobbes, o homem é o Ciro Gomes do homem.