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Já escrevi dezenas de textos criticando Lula. Tiro ao Lula é o único esporte que pratico com certa assiduidade. De vez em quando, troco o alvo das minhas atividades desportivas. Por exemplo, Jair Bolsonaro.

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Quem tem dificuldade de rimar lé com cré se espanta que alguém não seja petista, nunca tenha votado em político do PT, mas também não se entusiasme com qualquer outro que se apresente de suspensório conservador ou bermudinha liberal.

Noutras e mais simples palavras: o contrário de Lula não é o Bolsonaro. O capitão é uma das sofríveis opções que temos. Pode ser um presidente razoável? Pode ser. Apostem nele, eu não apostarei. Depois torçamos juntos para que aconteça o melhor.

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Aliás, um parêntese. Quando um candidato que eu desprezo ou em quem não confio vence, devo torcer para que ele faça um bom governo – e, portanto, melhore o país – ou, ao contrário, faz sentido que eu torça pelo pior?

É uma situação moral bem desagradável. Torço para que ele governe bem, mas vou criticá-lo com gosto do mesmo jeito. E vocês, leitores, torceriam para que um adversário fizesse um bom governo?

Pois vamos em frente. Não é possível, não deveria ser possível, tamanha facilidade no engodo. Não depois de tanta mentira contada por anos de narrativa lulopetista. Seria bom que a vacina tivesse nos imunizado. Não nos imunizou.

Alguns dos argumentos de quem vota no Bolsonaro me deixam um tanto perplexo. Dentre todos, por exemplo, aquele que diz mais ou menos o seguinte: “Bolsonaro não deve ser medido nem avaliado por, em trinta anos, ter feito aprovar apenas duas leis. Isso mostra que ele não é fazedor de leis, leis que só atrapalham o país.”

Talvez seja interessante decompor o argumento. Como boa parte do eleitorado de Bolsonaro é formada por entusiastas do Estado mínimo e do livre-mercado, criticá-lo por ter tido uma atuação pífia seria contraditório. Ora, é bom que ele não tenha ajudado a aumentar o número de leis, não é?

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Não é.

Essa conversão de Bolsonaro ao Estado mínimo e ao livre-mercado é bastante recente. Não sei o quanto é sincera e não posso prever o futuro; mas que o passado lhe cobra algumas explicações, cobra. Além do mais, é uma conversão terceirizada: quem é liberal de fato é Paulo Guedes, fiador de suas promessas.

Imaginemos que seja mesmo sincera a transformação ideológica de Bolsonaro. Que ele esteja convencido de que a saída para o país seja abertura de mercado, desregulamentação, privatizações, flexibilização. Muito bem.

Isso seria feito como, exatamente? Ele, de sua sala, daria um grito: “Ó Guedes, ó Paulo Guedes! No tocante à cuestã das privatizações, bota tudo no enjoei.com e vende aí!” Sabemos que não. Tudo o que tem de ser feito em matéria de concorrência e abertura de mercado, de estado mínimo e desregulamentação, será feito por meio de lei.

E não só.

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Querem pena de morte? Há que se modificar o Código Penal. Que, ora vejam, é uma lei. Querem diminuir a maioridade penal? Lei. Querem facilidades para abrir empresas? Lei. Querem que os militares assumam as escolas ou preferem o projeto Escola Sem Partido? Lei. Querem educação domiciliar? Idem. Reforma tributária e da previdência? Também. Etc.

Portanto, não há medida de abertura de mercado, diminuição estatal, livre concorrência, penas mais severas para criminosos, posse de armas para o cidadão, flexibilização trabalhista – não há nada de relevante, enfim, que não passe, sempre e necessariamente, por elaboração legislativa. Por negociação política.

Para racionalizar e diminuir o número de leis é preciso fazer leis mais racionais e que revoguem outras leis irracionais. Ou então fechar o congresso, intimidar o judiciário e impor a…

…Lei Marcial.

Moral da história: se Jair Bolsonaro ficou trinta anos trabalhando no poder legislativo e não legislou, isso quer dizer que ele trabalhou pouco – e mal. Não fez o serviço dele. Ganhou dinheiro enrolando. Como um médico que não atendesse pacientes e se vangloriasse: “Pelo menos, nenhum paciente morreu no meu consultório.”

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Enfim, pergunto: então devemos nos orgulhar do deputado que, para não “atrapalhar”, deixou de propor leis, ou de negociar a aprovação das leis propostas, mesmo quando boas? Temos de aplaudir o fato de que ele esteve lá esse tempo todo sem estorvar, ganhando para ficar quieto no canto dele?

Pois que então tivéssemos elegido o Incitatus. Teria saído bem mais baratinho.