O restaurante| Foto:

Nos últimos quinze dias, tentei descansar de tanto Brasil. Não é fácil, o Brasil é como bicho-papão, assusta criancinhas e adultos e está em todo lugar. O Brasil é como caruncho, esfarela esperanças e projetos sem muita dó ou piedade. Mas fiz o que pude: fechei janelas e portas, levantei barricada, guardei alimentos no porão. Tudo para viver uns dias sem tanto medo do Brasil.

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Virei pacifista de final de semana. Deixei no armário a armadura, o escudo e a espada. Esqueci por uns momentos o computador e com ele a opinião – pública e privada. Para o inferno com a opinião – minha e alheia. Fiz de conta que não havia presidente, ex-presidente, alienista, alienados, eleitos e eleitores, oposição, imprensa, extrema-imprensa, imprensa alternativa, alternativa à imprensa.

Nesses momentos de meticulosa alienação, assisti a jogos antigos de futebol; também a filmes e seriados. Li e reli Georges Simenon (leiam, releiam). Passeei demoradamente com o Paulo Francis. Dormi. Dormi. Dormi.

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Certo dia, fomos eu e minha mulher a um restaurante japonês que há nos arredores. Era uma quarta-feira de sol e céu aberto, e o clima estava gostoso como uma crônica do Fernando Sabino. Estacionamos o carro e cumprimentamos o rapaz que entrega o ticket. Entramos no restaurante e, como de costume, fomos bem-recebidos. Eu tenho o hábito de comer sempre a mesma coisa, o que facilita tudo para todo mundo. Um olhar basta para que me compreendam como eu mesmo não me compreendo.

Sentamo-nos, sem pressa nenhuma. A comida chegou, comemos. Deixamo-nos ficar ali, bebericando alguma coisa vagamente alcoólica, falando amenidades, às vezes fazendo silêncio, considerando a possibilidade ou não da sobremesa. (Não me lembro se pedimos a sobremesa.) Mais alguns minutos de preguiça e saímos, de mãos dadas, a passos curtos, não sem antes prometer voltar na semana que vem. Voltaremos sempre nas semanas que vêm.

Então percebi como, apesar de todos os pesares, o mundo – e até o Brasil – ainda pode ser um lugarzinho hospitaleiro e cheio de pessoas gentis. Eu não faço a menor ideia sobre quais são as ideias do dono do restaurante, se é que as têm, ou dos meninos e meninas que trabalham lá, ou ainda do rapaz do estacionamento. Não sei se votaram neste ou naquele, se se opõem a este ou àquele, se são de direita ou de esquerda, se são anarquistas ou católicos romanos. Não sei e não quero saber e isso me basta.

O que sei é que no mundo tridimensional em que viventes de fato andam, falam e comem, neste mundo ainda não contaminado de todo pela histeria e pelo achatamento moral e pelas urgências políticas, a convivência pode ser possível e, com pouco esforço, bastante agradável. Basta que esqueçamos em casa um pouco – ou muito, a depender de quem esquece – daquilo que nos faz diferentes e convictos e cheios de certezas e dedos em riste. Basta que convivamos com os semelhantes como o que são – de alguma maneira semelhantes a nós. Dessemelhanças à parte.

Depois do almoço e do café, voltamos para casa e abrimos a porta. Meu cachorro me sorriu latindo.

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