Sérgio Moro comprometeu a integridade do processo que resultou na prisão de Lula. O então juiz foi parcial, teve postura inadequada à função e, em vez de fazer justiça, fez justiçamento. Protegeu quase todos os grandes caciques do PSDB e bagunçou o tabuleiro da política brasileira, criando condições para a vitória de Jair Bolsonaro em 2018.
Quem garante isso não sou eu. Nem mesmo Gleen Greenwald ou José Dirceu. Quem garante isso é Carla Zambelli.
É provável que ela não tenha se dado conta do significado mais profundo de suas especulações. No afã de conter os movimentos do padrinho e antecipar as próximas jogadas, a deputada ressuscitou a hipótese lulopetista de que, enfim, a Lava Jato estava suja.
Admitam ou não os selvagens do direito midiático, princípios constitucionais não são história pra... boi dormir. O réu merece, entre outras garantias, as da ampla defesa e da imparcialidade. O juiz não pode ter predileções, ou tratar o processo como itinerário que vai da denúncia certa à condenação desejada. Processo judicial não é petição de princípio.
Embora o material revelado pelo Intercept tenha gerado alguma disputa doutrinária, é difícil negar que, nas conversas entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, o tratamento à acusação era um, e à defesa, outro. Moro estava convicto de que Lula era culpado bem antes da sentença.
Que estivesse. Eu também estava. Nunca acreditei na inocência do petista, mas sei que o bom direito não se faz com moral, indignação, crenças ou convicções. Faz-se com provas; e com o encadeamento das provas num processo livre de intenções outras que não a do estabelecimento da verdade. O garantismo é chato até que o réu seja você. Se Carla Zambelli está certa, Moro estava errado. E – o diabo mora nos detalhes – Lula tinha razão. O PT agradece.
Com o esgotamento prático e ideológico do lavajatismo, Bolsonaro e Moro reescrevem o passado, reorganizam seu lugar no presente e marcham em direção a um futuro assustador. Bolsonaro é uma espécie de fungo eleitoral que só pôde crescer no ecossistema do combate à corrupção, como efeito inesperado do trabalho de Moro. Se Moro é uma farsa, Bolsonaro também é.
Resta aos antigos aliados disputar o espólio da criminalização da política e do antipetismo. Lula, com a providencial ajuda de Carla Zambelli, tentará espichar essa narrativa nas próximas mil e uma noites, para sobreviver até 22. O messias ainda tem seus fiéis, enquanto o heresiarca de Curitiba enfrenta Lula e Bolsonaro juntos. Ambos concordam entre si no essencial: Moro é o inimigo a ser abatido.
Que plot twist.