Antipetismo à parte, convenhamos: a família Bolsonaro não aprende e não quer aprender. Estão com a mão na taça, jogo quase acabando, mas precisam colocar em dúvida seu, digamos, já muito recatado apreço à democracia e à ordem civil. A dúvida está virando certeza: não sabem ganhar. Espero que saibam governar.
Em palestra anterior à votação no primeiro turno, alguém da audiência faz uma pergunta estúpida e Eduardo Bolsonaro responde com a estupidez política de costume. Quem defende sua fala, defende nos seguintes termos: ele apenas imaginou uma dada situação e o que fazer diante dela. “E se o STF não reconhecesse a vitória…”
Bolsonaro filho disserta: “O STF vai ter que pagar para ver. E aí, quando ele pagar para ver, vai ser ele contra nós. Você está indo para um pensamento que muitas pessoas falam, e muito pouco pode ser dito. Mas se o STF quiser arguir qualquer coisa – recebeu uma doação ilegal de cem reais do José da Silva – e então impugna a candidatura dele. Eu não acho isso improvável, não. Mas aí vai ter que pagar para ver. Será que eles vão ter essa força mesmo?”
Reparem: se o STF quiser impugnar a candidatura, mesmo que fundamentado numa doação ilegal “de cem reais do José da Silva”, vai ter de pagar para ver. Esse detalhe é importante. Eduardo não admite a possibilidade, mesmo que tenha fundamentos legais. Dane-se a ilegalidade da doação, os “cem reais de José da Silva”. O STF tem de pagar para ver, caso se coloque “contra nós”. Eles, no caso. Depois dessa preleção de fazer inveja a Hans Kelsen, conclui dizendo que “bastam um soldado e um cabo” para fechar o Supremo.
Ressaltou que não pretende, com isso, desmerecer o soldado e o cabo. Muito bem. Em desmerecer a Corte não há problema: alimenta e faz crescer. O STF está na boca do povo, é a Geni dos liberais de fancaria e dos conservadores de quartel. O voluntarioso deputado ainda ironizou, lembrando que um ministro só tem a caneta como arma. Compreendo seu estupor: para quem não sabe direito o que fazer com canetas, esse é um instrumento inútil; talvez inconveniente.
A pergunta que me fiz foi a seguinte: Por que dizer uma coisa dessas? Respondi: Porque é assim que eles pensam. Sempre haverá um “Veja bem…” para garantir que não se disse o que se disse. A família que está prestes a assumir o posto mais importante do país tem de se acostumar à liturgia do cargo, tem de ter amor e lealdade à natureza do compromisso que assume.
Eles teriam de ser fanáticos da legalidade, mas não se aguentam em seus próprios limites. Extravasam. Sempre querem dar um passinho a mais. Sonham, deliram, têm palpitações com marchas e tanques e, principalmente, temem a possibilidade da derrota. Estão abarrotados de si mesmos e de suas certezas.
Acredito que, a contragosto, aprenderão a lidar com a política como ela é. O Exército me parece melhor do que seus fãs mais entusiasmados, e os militares na ativa não devem estar contentes com o borboletear dos militares governistas. É bem pouco provável uma aventura com a participação das Forças Armadas.
Jair Bolsonaro, questionado, de pronto saiu-se com a muito conveniente crítica ao “contexto”. Como homem surpreendido com amante na frente do motel, sempre há um contexto que justifique, um não-é-bem-assim que amenize: “Isso não existe. Se alguém falou em fechar o STF, precisa consultar um psiquiatra. Desconheço. Duvido. Alguém tirou de contexto”.
Pouco tempo depois, diante da repercussão não muito positiva, quis ser mais claro: “Eu já adverti o garoto. É meu filho. A responsabilidade é dele. Ele já se desculpou. Isso [o vídeo] aconteceu há quatro meses. Ele aceitou responder a uma pergunta que não tinha nem pé, nem cabeça, e resolveu levar para o lado desse absurdo aí”.
Que bom que Jair tomou conhecimento desse absurdo aí, advertiu o garoto de 34 anos e quase dois milhões de votos, indicou a ele um bom psiquiatra e deixou de lado a desculpa do contexto, porque governar é, por definição, governar todo um contexto. O Brasil é um grande contexto. Por enquanto, a depender do que se adivinha na pré-estreia, o que se pode esperar num governo do clã Bolsonaro é que ele faça menos, bem menos, do que promete. No país da demeritocracia, fazer pouco ou nada é, às vezes, melhor do que fazer qualquer coisa que seja. Que não atrapalhe, se não souber ajudar.