Já faz tempo, aquela fotografia envergonhava (serei otimista?) a classe jornalística, ou a parte dela que ainda era capaz de enrubescer: a presidente Dilma Rousseff, num de seus raros momentos de descontração, rodeada de tietes que se espichavam para registrar o instantâneo que envelheceria mal, enquanto as contas públicas aprendiam a pedalar sem rodinhas, feito que por sua vez dispararia o impeachment e decretaria o fim de um governo vocacionado, desde o nascimento, à recessão.
Os críticos do PT, que nunca precisaram das sentenças da Lava Jato para descartar a mistificação lulista, riam-se daquela demonstração tola – e do timing tão ruim – de subserviência profissional. E também moral. Não sei se Millôr Fernandes estava certo ao dizer, bem a seu modo, que imprensa de verdade é, sempre e necessariamente, oposição, mas uma coisa é certa: imprensa de verdade não é, não deveria ser nunca, adulação ao poder.
Vencido nas urnas e nos tribunais, controvérsias jurídicas à parte, o petismo tirou as cheerleaders de campo, o país respirou o ar fresco de um governo transitório, com alguma responsabilidade econômica e administrativa, para enfim apostar num político de carreira que jurou, como bom católico abençoado por Edir Macedo, nunca ter feito política em sentido estrito. No que, aliás, estava muito certo: nunca fez mesmo.
Karl Marx, mau economista e ótimo frasista, disse que a história acontece primeiro como tragédia, para depois se repetir como farsa. Pois bem. O jornalista de Crusoé e diretor da rádio Jovem Pan, Felipe Moura Brasil, publicou caudalosa reportagem a respeito da “milícia digital” que se ocupa de perseguir, atacar e desacreditar críticos do governo, dissidentes reais ou imaginários, crentes recalcitrantes, céticos empedernidos, ministros de Estado e a “grande imprensa”.
Não sei quem faz isso porque é pago, quem faz isso porque ama o esporte. O resultado, na prática, é o mesmo. É a mesma subserviência, o mesmo comprometimento moral, a mesma fotografia que há de envelhecer mal. Todo o fuzuê a respeito de liberdade e independência, enquanto o PT estava no poder, nunca passou de dor-de-cotovelo ideológica. O objetivo era tomar o lugar, mas se sentar na mesma cadeira; reescrever o discurso, mas escrevê-lo com a mesma caneta; trocar os jogadores, mas jogar o mesmo jogo.
O escritor Fernando Gabeira, que ninguém pode chamar de covarde ou desonesto, costuma dizer que a esquerda lutou contra a ditadura para colocar a sua versão no poder. Pura verdade. Hoje, mutatis mutandis, a direita que lutou contra a hegemonia esquerdista na cultura e na imprensa confessa, sem pudor algum, com aquela arrogância brega de novo-rico, que só queria mesmo era seu lugar sob o sol do Planalto. Independência é um luxo que não põe comida à mesa.