Cena do filme “Fahrenheit 451”, de François Truffaut| Foto:
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No ensaio Aqueles que queimam livros, George Steiner denuncia que “os que proscrevem e matam os poetas sabem rigorosamente o que fazem”. Com o merecido respeito que devo ao filósofo, morto recentemente, tenho minhas dúvidas. Minto: tenho minhas certezas. Ele não conhecia o Brasil.

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Antes da censura, o que causa espanto na lista de livros proibidos em Rondônia é a meticulosa aleatoriedade dos títulos. Entre os previsíveis Rubem Fonseca e Nelson Rodrigues, temos Euclides da Cunha (!), Franz Kafka (!!) e Machado de Assis (!!!). Metidos entre Cony, Caio Fernando Abreu e Mario de Andrade aparecem Ferreira Gullar (?) e a coletânea Mar de Histórias (?!), organizada por Aurélio Buarque de Holanda e Paulo Rónai. Tento desvendar propósitos e padrões, códigos e conspirações, mas não encontro nem fofoca.

Terá Nelson Rodrigues atentado contra o pudor dos homens-de-bem de nosso tempo? Euclides da Cunha saberá mais do que o conveniente sobre as agruras do Brasil profundo? O pecado de Gullar foi ter publicado um poema sujo? Quanto a Kafka, consta na seleção porque sua obra sugere opressões terríveis? De Machado de Assis, estou certo, o pecado foi criar personagens que encarnam a falsidade social tão nossa conhecida. Já o problema de Mar de Histórias, mais óbvio, é ser um montão de amontoado de muita coisa escrita.

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Poooois bem. Eu gostaria de acreditar numa censura daquelas de antigamente, com tochas e mascarados, violências e tarjas pretas, mas não é para tanto. Não somos sérios e graves assim. George Steiner que me desculpe, mas lhe faltaria humor para captar o nosso tipo de absurdo. O que nos explica e explicará, hoje e sempre, é a piada. Mais do que a tinta da melancolia, a pena da galhofa.

Os censores de Rondônia são ignorantes demais para escolher certo os livros errados. Livro, para eles, é objeto tão esquisito que, se encontrarem um pela frente, capaz de o abaterem a pauladas e chamarem a polícia.

Caso precisem de consultoria, estou à disposição e cobro pouco. Por exemplo, perdi a inocência com O Cortiço, do Aluísio Azevedo. Advirto que os poemas de Homero não se recomendam. Tampouco as peças de Shakespeare. Nem mesmo a Bíblia, que tem lá narradas umas carnificinas e indiscrições, é para qualquer um.

Mas a verdade é que, por via das dúvidas, se quiserem mesmo entender o que se passa, leiam Febeapá, 1, 2, 3, textos reunidos pelas editoras Agir ou Cia das Letras, ao gosto do freguês. Quem escreveu foi o Sérgio Porto, conhecido como Stanislaw Ponte Preta, o único George Steiner possível destas paragens. Está tudo lá, explicadinho, sem tirar nem pôr.