O candidato à presidência deste excêntrico e tropical rincão, Jair Messias (nome que é toda uma declaração de princípios) Bolsonaro, foi o entrevistado desta semana no tradicionalíssimo (tradicional como estátua mortuária) Roda Viva, da TV Cultura. Ambos, entrevistadores e entrevistados, jogaram como nunca e perderam como sempre.
Quem me lê sabe que o capitão não tem, não terá, meu voto. Suas diatribes e ideias de anteontem não me convencem. Sua aparvalhada concepção de mundo e de país me impressiona. “Quando se fala em mortalidade infantil… tem muito a ver… com os prematuros…”
Sim, eu sei que ele é detestado pela esquerda. Sim, eu sei que as opções são poucas, ou nenhuma. Mas acredito que o voto no menos pior tem se tornado critério preguiçoso demais para decisão tão séria. E não sou capaz de garantir que ele é o menos pior.
No entanto, tendo ou não minha confiança, o fato é que Jair Bolsonaro pode ser meu (de vocês) presidente, e o establishment tem feito muita força para elegê-lo. O que parecia ser um fenômeno de mídia social está prestes a se tornar um fenômeno eleitoral.
Há precedentes: aconteceu com Barack Obama e aconteceu com Donald Trump. Noto que a imprensa esquerdista americana passou a se preocupar com fake news e redes sociais definindo eleições depois da vitória de Trump, mas Obama, senador insignificante de Illinois, foi eleito em virtude de campanha maciça nas mídias sociais. Ambos são versões de um mesmo fenômeno.
Voltando ao Roda Viva, o que se viu ali foi uma apresentação de telecatch – para quem não se lembra, aquelas lutas onde valia tudo exatamente por não acontecer nada. Tudo exagerado e tudo de mentirinha.
Os jornalistas, congelados no tempo tanto quanto o candidato, perderam-se em insinuações sobre a verdadeira posição de Bolsonaro quando o assunto é ditadura militar, tortura, direitos humanos, racismo, homofobia. Como se realmente fossem estas as únicas, importantes ou urgentes questões do dia-a-dia do brasileiro.
Tratá-lo como um perigosíssimo fascista à espera de oportunidade é jogar o jogo dele, que se movimenta muito bem nas águas turvas do politicamente incorreto e da crise de valores. Num país em que acontecem 60 mil homicídios por ano, acusa-lo de “matador de bandido”, ou coisa parecida, é o mesmo que fazer campanha para ele.
O regime militar, ainda que se leve em consideração suas nuances e fases mais ou menos rígidas, foi um regime de exceção. Isso não é mentira da esquerda, ainda que a esquerda carregue nas tintas o quanto e conforme lhe convém. Exaltar governos militares deveria ruborizar quem se diz defensor de Estado mínimo, livre mercado e liberdade negativa. (A velha disputa entre a liberdade dos antigos e dos modernos.)
Entretanto, por mais de uma razão, ao eleitor comum o período militar até que não parece tão ruim, retroativamente, quando comparado com esse estado de anomia pós-apocalíptica em que o país está submergido, batendo-se entre criminosos organizados e criminosos eleitos. Ao invocar os rigores militares, os jornalistas tornam mais fácil a vida de quem nunca se envergonhou disso.
O problema de Jair Bolsonaro não é sua propensão, talvez mais imaginária que real, ao autoritarismo. É sua visão de mundo tacanha, sua inabilidade política mesmo sendo político há trinta anos, seu despreparo intelectual clamoroso. Bolsonaro não é a versão à direita de Ciro Gomes, mas de Dilma. “…é muito mais fácil um prematuro morrer do que um de… que cumpriu sua gestação normalmente.”
Infelizmente, na Sibéria ideológica em que nos movimentamos, a imprensa – e os adversários – não apresenta coisa melhor. Se faltam ideias e inteligência aos candidatos, faltam ideias e inteligência a quem deveria ter por obrigação entender (e exigir) alguma coisa.
A “culpa” de Bolsonaro ser cogitado como presidente não é de eleitores comuns ou ignorantes, insatisfeitos ou desiludidos, mas de jornalistas ainda eticamente comprometidos, quando não apaixonados, por figuras e agendas nada recomendáveis. A diferença entre Ustra e Guevara, entre Médici e Castro, é de grau, não de natureza. Quem exalta ditaduras à esquerda não será levado a sério quando condenar ditaduras à direita.
Dias atrás, uma conhecida escreveu: “Não acredito que exista alguém que vote nesse homem tosco, burro, preconceituoso e boçal!” Ela estava se referindo a Bolsonaro. Cada um daqueles jornalistas diria a mesma coisa. Mas tais adjetivos também caberiam perfeitamente a Lula, por exemplo, com mais um ou dois agravantes.
E agora, José?