A demissão de Joaquim Levy deveria servir como estudo de caso para quem de fato se preocupa com as randômicas motivações de Jair Bolsonaro. Não servirá àqueles que preferem aplaudir a analisar. Em tempos de irracionalismo, ignorância voluntária dá ibope. Não julgo; constato.
O ex-presidente do BNDES era um dos ótimos quadros do governo, parte importante do festejado dream team econômico. De perfil técnico, avesso a embates ideológicos e a fofocas políticas, discreto num meio de indiscretos, Levy foi decapitado à luz do dia pelo mitológico presidente.
Tudo feito num tom acima, com ares de escândalo, como se Levy tivesse traído o país em tempos de guerra. O presidente disse que já estava “por aqui” com o economista, e que sua “cabeça estava a prêmio há algum tempo”. À maneira dos carteis mexicanos, quis expor o cadáver para servir de exemplo aos recalcitrantes.
Líder nato.
Pouco importa se o desavisado pivô do entrevero, Marcos Barbosa Pinto, é competente, técnico e desinteressado de ideologias. Bastou ter tido contato com o PT para ser petista, como se petismo fosse doença contagiosa.
Ou, pensando bem, bastou qualquer coisa que tenha bastado: “caixa-preta”, “comunismo”, “casamento”, “beijo hétero” – o glossário da nova era não é dos mais vastos, mas é bastante adaptável às variações de humor de quem dele faz uso.
Nas últimas horas começaram a pulular outras, aspas, explicações: Levy não cumpria o combinado; Levy não era o preferido de Bolsonaro, que o aceitou por respeito a Guedes; Levy não abria a tal da caixa-preta. Em suma: a competência está sujeita à afabilidade política e à subserviência hierárquica.
De um jeito ou de outro, a demissão de Joaquim Levy também compromete – e redefine – o prestígio do próprio Paulo Guedes. É mais uma das eloquentes manifestações de um presidente que confessa não entender nada de economia, mas não economiza oportunidades de se meter nela.
E o ministro, ao participar servilmente da fritura pública de um indicado seu, sai menor do episódio – reduzido a assistente de cozinha do chef que não sabe cozinhar. O recado que fica: nem o mais técnico dos ministros técnicos tem de fato autonomia funcional.
Outro nome do mercado será escolhido, garantias serão feitas, elogios serão abundantes, mas tudo dependerá da adequação do profissional – não ao governo, o que seria óbvio, mas às maquinações ideológicas de improviso, que teimam em se intrometer nos altos escalões da burocracia.
Mas fiquemos sossegados, pois esse é um governo técnico, que faz indicações técnicas, monta ministérios técnicos e só toma decisões técnicas para o bem de um país técnico. E quem resmunga é acusado de, tecnicamente, torcer contra o país.
Já estou por aqui com ele.