por Nicolau Olivieri
A proposta de reforma tributária enviada pelo Governo Federal ao Congresso prevê o fim da isenção sobre livros, que passariam, portanto, a responder por um imposto de 12%, a exemplo de todos os demais bens de consumo.
A gritaria foi geral, naturalmente.
Livro é bom, livro é gostoso, serve para entreter, aprender, elevar-se espiritualmente e até religiosamente. Em tese, é possível encontrar Deus num livro, e em várias de Suas versões – com todo o respeito aos leitores da Torá, da Bíblia do Rei James, do Corão.
Aliás, as Bíblias respondem por quase 20% de tudo o que é impresso no Brasil e, além das Bíblias, 50% da produção de livros é de livros didáticos – em boa parte comprados pelos próprios governos Federal, Estadual e Municipal.
Como se vê, o mercado de livros no Brasil é algo como a Europa ocidental entre os séculos XVI e XVIII: dominado pelo Estado e pelas Igrejas.
Mas ler muito livro, por si só, não garante a felicidade de quem lê, embora, em casos extremos, possa garantir uma boa alegria para quem escreve.
Um amigo que morou na URSS antes da Perestroika garante que todo mundo que ele conheceu havia lido Guerra e Paz, do Tolstoi, e pelo menos um ou dois Dostoiévski.
Nos livros da escritora Svetlana Aleksiévitch, prêmio Nobel de 2015, os relatos em primeira pessoa dos seus personagens, que são pessoas reais entrevistadas, inevitavelmente têm uma referência literária. O sargento carniceiro que serviu no Afeganistão cita Arthur Koestler.
Os soviéticos liam muito, inclusive autores proibidos, nos incríveis “samizdat” – um “mercado editorial” do submundo soviético, com livros contrabandeados que circulavam entre as pessoas, muitas vezes copiados à mão. Quase todo mundo dentro da URSS teve acesso, por exemplo, a Arquipélago Gulag, a denúncia de Alexander Soljenítsin sobre a repressão soviética.
Mas nem toda a cultura literária dos seus cidadãos impediu o fim da própria União Soviética, e, pior, não garantiu que as pessoas fossem felizes vivendo na União Soviética – ou vivendo na Rússia depois.
Sem querer comparar desgraças, não duvidemos: apesar de não conseguirmos ler Tolstoi no original, o que é uma quase irremediável perda, a qualidade de vida no Brasil é muito melhor do que na Rússia. E pelo menos – até onde sabemos – Bolsonaro não manda envenenar inimigos.
Claro que o exemplo soviético é só uma caricatura, mas serve para botar o debate talvez em perspectiva, e com toda a sinceridade: para quê o Brasil quer livros subsidiados se ninguém lê?
Queremos livros para quê?
Nicolau Olivieri é sócio na Leal Cotrim Jansen Advogados. Membro do Instituto de Advogados Brasileiros.