Penelope Fitzgerald (1916-2000) começou a publicar tardiamente, aos 58 anos, e também tardiamente sua obra começa a ser conhecida por aqui. Neste caso, com o empurrãozinho da adaptação cinematográfica de um de seus melhores romances. Adaptado pela diretora espanhola Isabel Coixet, A livraria, de 1978, é lançado pela Bertrand Brasil (braço do Grupo Editorial Record), com tradução de Sonia Coutinho, 160 páginas e com uma daquelas capas cafonas que pegam carona nos filmes.
Ambientado em 1959, o romance tem o enredo inspirado em um curto espaço de tempo em que a escritora britânica foi dona de uma livraria de uma pequena cidade da Inglaterra. A protagonista é Florence Green, recentemente viúva, que resolve se arriscar no negócio de livros. A população do lugarejo chamado Hardborouhg não é exatamente fã de leitura e os poucos que leem preferem obras que ensinam a fazer barcos ou sobre a vida da rainha da Inglaterra, ou seja, quase nada de literatura, sendo que a própria Florence tampouco conhece obras literárias que, assim como as filosóficas, merecem um espaço escondido no estabelecimento: “Lá atrás, nas sombras, estavam os Encalhados, em grande parte de filosofia e poesia, que ela nutria pouca esperança de vender até o último.”
O prédio que compra para o empreendimento, no entanto, lhe causará muitos problemas. Além da umidade, as paredes produzem barulhos que as pessoas atribuem a assombrações. O lugar também é desejado por uma senhora da alta sociedade, Violet Gamart, que gostaria de criar ali um espaço cultural, não por gostar de artes, mas sim com intuitos de autopromoção social. Com sua influência, não medirá esforços para prejudicar Florence.
Com a ajuda de alguns moradores, principalmente uma menina de 11 anos, que também não gosta muito de ler e só trabalha para ajudar a família, a livreira começa a trabalhar, tem algum sucesso na criação de uma biblioteca itinerante e faz amizades, inclusive com um velho morador que vivia recluso, o Sr. Brundish. É ele quem aprova a compra de vários exemplares de um romance que estava fazendo sucesso “— Ouso dizer que não dou tanta importância quanto a senhora às noções de certo e errado. Li Lolita, como pediu. É um bom livro; portanto, a senhora deve tentar vendê-lo aos habitantes de Hardborough. Não o entenderão, mas é preferível assim. Entender torna a mente preguiçosa.” A repercussão da obra de Nabokov, como imagina quem conhece seu enredo, será mais um dos problemas que a protagonista terá que enfrentar. Se ela conseguirá superar estas adversidades? Posso adiantar (e não sou dos críticos que evitam spoilers) que o final não é nada “hollywoodiano”.
Ao contrário do que possam querer vender, o romance não é sobre o amor ao livros, se nem mesmo a dona da livraria os ama, e sim sobre o uso abusivo do poder e da influência política. Como escreveu o crítico espanhol Ignacio Echevarría em sua coluna no suplemento El Cultural, em Penelope Fitzgerald “tudo se revela através das ações, do gestos, das palavras dos personagens”. O narrador não interfere, muito menos analisa os comportamentos, por isso é uma narrativa sintética e simples, em que menos é mais. Vale a leitura.
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Cassionei Niches Petry é Mestre em Letras-Leitura e Cognição, professor de Literatura e Línguas Portuguesa e Espanhola no Ensino Médio. Autor dos livros de contos “Arranhões e outras feridas” (Multifoco) e “Cacos e outros pedaços” (Penalux), do romance “Os óculos de Paula”, (Livros Ilimitados) e do livro de crônicas e ensaios “Vamos falar sobre suicídio?” (Kindle/Amazon). Atualmente, é colunista do site Digestivo Cultural, Portal Entretextos e colabora com o Caderno de Sábado do jornal Correio do Povo, de Porto Alegre – RS.