A decisão que impedia Lula de falar à imprensa impunha ao ex-presidente e atual condenado uma pena a mais, além das merecidas. Se Fernandinho Beira-Mar falou, se Suzane von Richthofen abriu o coração de menina, se o goleiro Bruno defendeu a própria meta, se o saudoso Bandido da Luz Vermelha trouxe à luz os seus crimes – por que não Lula? Não tenhamos medo. Lula é só o Lula.
De minha parte, prefiro que todos falem, falem mais que a boca, sejam quem forem. Não nos esqueçamos de que garantias constitucionais valem para todos, petistas e antipetistas, e os condenados não perdem, ipso facto, o direito de se expressar e de se comunicar com o mundo exterior. Entrevistas, aliás, situam-se numa zona cinzenta e não determinada legalmente; se não são expressamente proibidas, então são ou podem ser permitidas. Na dúvida, na controvérsia, in dubio pro reo. De resto, Guantánamo não é aqui.
Mas deixemos de lado as minúcias jurídicas. O leite é derramado, Inês é morta, Lula falou. E que bom que ele falou.
Não, leitor gaiato, não gostei do conteúdo do que o Lula falou. Não trepide à toa sobre o teclado, sossegue a rebeldia, tome chá de maracujá. Gostei do fato de que, tendo falado, falou o de sempre. Tendo falado o de sempre, pudemos tocar com os dedos no que se adivinhava com a fé: Lula já não consegue comover nem convencer a ninguém, salvo os ordinariamente comovidos e convencidos.
Sua entrevista consiste num amontoado de ressentimentos, na improvisação de mentiras, meias-verdades ou mal-entendidos, numa coleção de “eu não sabia disso, eu não podia imaginar aquilo”, na manifestação de um gênio político que vive condição limítrofe à do sociopata. Garantiu não sentir ódio, mas o ódio aparece quase dez vezes na entrevista.
Impressiona como Lula é opaco, baço, impenetrável. Nada de tudo o que aconteceu em seu governo, sob as suas ordens, com sua anuência ou omissão, nada faz com que ele esboce arrependimento ou ensaie autocrítica. No ar rarefeito de sua vaidade, sufoca a própria consciência e tem delírios de grandeza. Mesmo quando demonstra fragilidade, no fundo quer demonstrar força; ao encenar amargura, trai o oportunismo de vilipendiar a memória da esposa morta.
Apaixonado pela versão que inventou para si mesmo, parece acreditar nela com a inocência dos doidos varridos, sempre tão certos de suas certezas. O homem real desapareceu sob os escombros de responsabilidades nunca assumidas – nem as dele, nem as de seu partido.
Pois ele considera a possibilidade de um dia vir a se candidatar à presidência da República. Bom saber (ou preferiam que ele guardasse segredo sobre seus planos?). Bom que Lula tenha falado. Lula é um morto-vivo político à procura de miolos dos quais se alimentar. Seja lá qual for o rumo de sua sentença, basta que os miolos não estejam dispostos a servir de banquete mais uma vez. Situação judicial à parte, o eleitor tem nas mãos o poder sobre a situação política do PT e, se um dia for novamente o caso, do Lula.
Essa derrota, imposta por cinquenta e tantos milhões de juízes, seria irreversível.