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Lula não respeita a lei, mas exige que a lei o respeite

Wikimedia Commons (Foto: )

Peço licença – e paciência – ao leitor para voltar ao tema. De ontem para hoje o ex-presidente discursou, o ministro palpitou, a vaca tossiu. A discussão continua a girar em falso. Alguns juristas repisam que o julgamento não foi suficientemente técnico. Lula faz coro. Não queria um julgamento político, mas fez de seu julgamento um circo político. Apostou nisso, porque é disso que entende. Perdeu e não gostou.

A verdade é que no necessariamente imperfeito itinerário processual, da denúncia à condenação, Lula teve defesa ampla e muito bem paga, microfone, militância e recursos. Foi tratado como nenhum réu é tratado no país. Sua vitimização soa irônica, a se levar em conta o arcabouço ideológico do petismo, segundo o qual as elites políticas sempre tiveram privilégios que aos proletários não cabia.

As investigações se aproximavam e Lula tratava de debochar do sistema judiciário, da Polícia Federal, do juiz Sérgio Moro, dos desembargadores, das tábuas mosaicas. Não como quem tivesse confiança nas instituições e tranquilidade de consciência; justamente o contrário: por nunca ter dado bola para as instituições, confiou que mais uma vez cederiam à pressão carismática. Não cederam.

A condenação se confirma e o que ele faz? Mais política. Ameaça o país com sua candidatura, que sabe explosiva e perigosa. Ataca a Lei da Ficha Limpa, agora que ela já não serve para atacar seus adversários. Em discurso na Praça da República, SP, mostrou o quanto respeita a República: lançou-se pré-candidato sem saber se estará livre; mais: sem se importar muito com isso. Lula já se comparou a Jesus Cristo, Tiradentes e agora se compara a Mandela. Mais um pouco e vira o Napoleão de hospício.

A esta altura, apenas os petistas mais fanáticos não estão constrangidos com o fato de que Lula, mesmo tendo exercido plenamente seu direito de defesa, agora é um corrupto condenado em duas instâncias. Já são quatro os juízes que consideram o ex-presidente um criminoso, e seria preciso grande esforço para acreditar que todos estejam mancomunados para condenar Lula e, assim, impedi-lo de disputar novamente a Presidência.

Lula disse querer “disputar com eles a consciência do povo brasileiro”. Por “eles” entenda-se: os desembargadores que o julgaram, as elites, eu, você, a Maria, o João, o José. O filho de Garanhuns pregou desobediência à decisão judicial. Lindberg Farias, ex-cara pintada e atual cara de pau, conclamou a todos por desobediência civil. João Pedro Stédile rosnou qualquer coisa na mesma linha.

A propósito do julgamento, o ministro Marco Aurélio de Mello afirmou o seguinte: “No pico de uma crise, um ato deste poderá incendiar o país”. A declaração trata da possibilidade de Lula ser preso – “um ato deste” –, agora que foi condenado em segunda instância. Noutras palavras: o debate no STF acerca da prisão em segunda instância depende, como se vê, dos atores envolvidos. O Supremo Tribunal politiza o cumprimento de uma decisão judicial legítima para depois reclamar da politização das decisões judiciais.

De acordo com o que entendi do ministro, parece haver um debate mais geral – se é constitucional privar de liberdade condenados em segunda instância, sem que todos os recursos sejam esgotados. Além deste, existe um debate mais particular – se é conveniente privar de liberdade condenados em segunda instância, desde que se chamem Luiz Inácio Lula da Silva. “Este cidadão simpático que está falando para vocês não tem nenhuma razão para respeitar a decisão de ontem”. Foi o que disse Lula, horas após a condenação. A isso chamam de defesa, de debate – “técnico”.

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