Anotther Brick In The Wall (1982, Pink Floyd)| Foto:

Líderes carismáticos são parecidos uns com os outros, a despeito do vetor ideológico. Governos de matiz populista funcionam sempre numa lógica de ruptura – ora discreta, ora explícita. Enquanto o revolucionário de esquerda quer atingir um futuro utópico, o revolucionário de direita é saudoso de um passado edênico.

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Por óbvio, há nuances e aproximações, e mesmo a figura do revolucionário em sentido estrito já não é aquela do século XX. Em nossa era identitária, os progressistas sabem como forçar incruentas revoluções intramuros, com o intuito de obter ganhos maiores e mais amplos à frente. Os reacionários, alunos exemplares, aprenderam o passo-a-passo.

Quando, há pouco tempo, a classe dos caminhoneiros fez o país de refém, e cobrou alto o resgate do atordoado Michel Temer, Jair Bolsonaro aplaudiu com gosto. Para o agora presidente, então candidato, aquela chantagem significava uma verdadeira insurreição popular. Todo poder aos sovietes? Todo poder aos sovietes, sejam quem forem, desde que estejam ao nosso lado.

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Passados alguns meses, sob pretexto de combater doutrinação ideológica, alunos têm gravado aulas e publicado sem autorização nas mídias sociais. Pouco importa se a lei restringe a prática, porque lei, todos sabemos, é o tacape que nós empunhamos para rachar a cabeça dos inimigos.

Jair Bolsonaro reverberou a mais recente manifestação de uma aluna contra sua professora, e não ponderou nem por um minuto se é mesmo razoável que o presidente da República exponha um conflito em sala de aula sem maiores cuidados. Bastou que a corajosa aluna denunciasse a doutrinação e a doutrinação denunciada estava. As ideologias justificam os meios.

Que todo mundo já teve professores ruins, inimigos do sabão e dos livros, tagarelando sobre as maldades do “sistema capitalista”, ninguém há de negar. Lembro-me de alguns. Tinham cara de coitados, esperneavam como coitados, ganhavam como coitados – eram uns coitados. Che Guevara isso, EUA aquilo, blábláblá. Contudo, aqui entre nós… doutrinação? Eles tinham condições, a sério, de sistematicamente “doutrinar”?

Existe diferença entre expor opiniões equivocadas, francamente estúpidas, e doutrinar. Na minha experiência (aluno de escola pública, de periferia), os professores sub-marxistas mais pareciam os desgraçados dos romances do Dostoiévski. Seu poder é pequeno, menor do que parece.

Se todos os denunciadores de doutrinação tivessem sido doutrinados, não estariam denunciando a doutrinação: estariam doutrinando. Por isso é bom distinguir entre opinião errada, aula ruim de história e sociologia e doutrinação de fato. Pergunto: se a mesma professora que criticava o governo, o elogiasse; se em vez de fazer pouco caso de Olavo de Carvalho, recomendasse seus livros – seria também denunciada pela conscienciosa aluna? Mistérios.

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Reconhecer o problema implica em lidar com o problema da maneira devida. Quem trabalhou em escola sabe que existem outras questões urgentes – segurança, estrutura, capacidades, investimento, critérios, metas, objetivos a longo prazo, distanciamento entre família e escola. Existe o problema, sim, que temos chamado, na falta de termo melhor, de “doutrinação”, mas a solução não é o incentivo ao denuncismo indiscriminado e parcial.

Além disso, quanto ao método, não é curioso que o governo que se apresenta conservador pratique o que em Maio de 68 era o suprassumo da rebeldia e da revolução? Pois é. Naquele ano estouraram em França manifestações não muito pacíficas de estudantes contra o que julgavam ser o establishment educacional e, por fim, político.

A ideologia era outra, mas a lógica é a mesma: o sistema escolar e estatal é opressor, doutrinador e mal-intencionado. Devemos não apenas denunciar todos eles, mas derrubá-los. Enforcar o último professor com as tripas do último diretor de escola. Assumir o poder e os rumos da verdadeira educação. Cortar as verbas de cursos que só ensinam doutrina espúria. Todo poder aos jovens.

Enfim, considero bastante provável que os que hoje falam tanto em doutrinação têm interesse que o problema continue a existir. Virou pauta, bandeira, sentido, programa, agenda. Se um dia for resolvido, vão reclamar de quê? A contra-doutrinação é doutrinação que precisa do medo à doutrinação para se justificar. Os extremos se tocam e se alimentam.

Hey! Teachers! Leave them kids alone!

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