Cristianismo prêt-à-porter
Fernando Haddad e Manuela d’Ávila foram à Missa no dia 12 de outubro, data importante do catolicismo brasileiro. Manuela tentava se ajustar ao ambiente com a naturalidade de um pipoqueiro em funeral; Haddad comia a hóstia como um Judas comendo pão com manteiga, minutos antes do beijo.
Não se fazem mais comunistas como antigamente. Comunista raiz, mesmo, que matava padre e estuprava freira com sinceridade.
Essa pantomina, ensaiada às pressas, fechou a tampa do caixão petista nos quesitos evolução e samba-enredo. Depois de trair o país e fazer do Estado brasileiro uma sucursal de empreiteiras e banqueiros, depois de fazer um primeiro turno em que Lula era Haddad e Haddad era Lula, o partido achou por bem agora trair seus eleitores: tomou banho de loja, trocou de cores, esqueceu de Lula, virou católico, negou aborto, confessou pecados, jurou virgindade, amém.
Um milagre de Nossa Senhora Aparecida.
Ao tentar se transformar em qualquer coisa diferente de si mesmo, o PT ratificou os motivos pelos quais Jair Bolsonaro conquistou eleitorado tão expressivo, sendo quem é, por pior que seja. Quem vota em Bolsonaro vota justamente porque ele não é o PT. O Partido dos Trabalhadores há muito virou teatro, farsa, golpe, quadrilha, papagaiada. Só lhe interessa continuar no poder, sugá-lo de dentro, agredi-lo de fora, parasitá-lo até o último centavo.
Com que cara, agora, todos os eleitores de esquerda apontarão dedos contra o “homem de bem”, contra os valores ridicularizados da família dita tradicional, da religião, dos bons costumes, que pautaram essa campanha?
Se há pouco o PT representava o iluminismo contra as trevas conservadoras, agora Fernando Haddad foi apresentado à sociedade com a pureza de uma debutante: pai de família há não sei quantos anos, monogâmico, caseiro, bonzinho, cristão. Escova os dentes três vezes ao dia e paga o dízimo. Toca “Segura na mão de Deus” ao violão. Até um preconceito ou dois deve ter arrumado. Fernando Haddad, para conseguir votos, virou homem de bem. Fernando Haddad virou o Seu Joaquim.
Enquanto isso, Manuela cerra os lábios, trinca os dentes e, na primeira chamada, renuncia às próprias convicções e as oferece no altar do lulopetismo, como Abraão que oferecesse Isaque ao Deus ciumento. É o pai quem lhe paga as contas da ideologia, ela tem de obedecer. É a vice de um candidato que nem é bem candidato e segue ordens de um condenado que quase foi candidato.
Por essas, por outras e por mais outras, não é possível cogitar voto no PT. Compreendo a repulsa por Jair Bolsonaro, porém não compreendo a tentativa de normalizar o cinismo petista, vendido como opção humana e civilizada contra o matuto do PSL. Não sei que tipo de diabo é Bolsonaro, mas sei que tipo de inferno é o governo do PT. Ainda bem que do meu voto não depende essa eleição.
Errar é humano; persistir no erro é petismo
Na Folha de S. Paulo, Celso Barros fez um chamamento emocionado. No artigo “PT, volte a ser digno da hora”, ele pede pelo amor de Lênin que o partido deixe o ressentimento pra lá, perdoe os golpistas, reconheça a necessidade do ajuste fiscal e pare com essa “palhaçadinha de nova Constituição, controle da mídia e demais babaquices que intelectual petista burro enfiou no programa de governo porque estava com raiva do impeachment”.
Trocando em miúdos, ele quer que o PT deixe de ser PT para ter uma segunda (segunda? terceira, quarta…) chance de afastar o perigo direitista. Perdoemos todos os crimes, erros, tramoias, estelionatos, escaramuças petistas, toda a palhaçadinha, porque, afinal de contas, temos de impedir a vitória de um candidato que porventura venha a cometer crimes, erros, tramoias, escaramuças, estelionatos, nova Constituição, controle de mídia, palhaçadinhas e demais babaquices…
Faz sentido.
Todo Marquês de Sade é um Gustavo Corção que se desconhece
Falando ainda em moralidade, de uns dias pra cá tenho me divertido com a estudada indignação entre artistas e intelectuais, que atingiu status de grande arte. A mentira existencial é a arte em que muitos se sobressaem; devia haver um prêmio Nobel para essa categoria.
Certo escritor, cuja carreira acompanho a meia-distância, sempre escreveu sobre o niilismo, a falência da ética, a vacuidade de todas as coisas, a dor de viver, a podridão das elites e a falsidade da religião. Eu o leio, às vezes, enquanto como Doritos e assisto aos gols da rodada.
Eis que de repente, não mais que de repente, do riso fez-se o pranto, e o atormentado crítico, dublê de Emil Cioran, anda apelando à moral e aos bons costumes com a objetividade de um matemático e o entusiasmo de um jansenista. É tanta conversa sobre “ser moral’, “votar contra Bolsonaro é questão de moralidade”, “nós temos de fazer alguma coisa”, que tenho vontade de chama-lo de vovô.
Aquela moralidade que, para ele e tantos como ele, era somente o verniz de civilização a encobrir nossos instintos, desejos e vontade de potência, aquela moralidade que não passava de concessão hipócrita e etiqueta social de padres tarados, pastores malucos e freiras histéricas, agora é clara, exata, dicotômica, venerável, sagrada, inapelável.
O comunista virou coroinha; a dúvida, dogma; Deborah Secco, conselheira matrimonial.
O resultado de tudo isso é óbvio: o PT estava errado quando atacava certos valores que para muita gente são caros, e está errado quando macaqueia os mesmos valores que para muita gente continuam a ser caros. Esses valores rendem votos, vejam que coisa. O cliente e o eleitor têm razões que a própria razão desconhece.
Jair Bolsonaro não representa o bom, o belo e o verdadeiro, nem de longe; se ele conseguir se conter nos limites de sua própria estupidez, não atrapalhará muito. Entretanto, pela mesma régua, se Bolsonaro não representa grande coisa, o que ainda representa o PT?
Nem mais a si mesmo.