• Carregando...
Arquivo pessoal
Arquivo pessoal| Foto:

Sérgio Almeida é professor e escritor. PhD em Economia pela University of Nottingham, Inglaterra. Suas principais áreas de pesquisa são decisão sob risco e incerteza, economia experimental e economia comportamental.

 

1 Você publicou, no final de 2017, o livro Pode não ser o que parece…, em coautoria com Samy Dana. Como você caracteriza a economia comportamental? O que é economia comportamental, e onde – ou como – ela se aplica?

Economia comportamental se caracteriza tão somente por um princípio geral e abrangente que é o de tentar enriquecer a parte psicológica dos modelos/teorias econômicas. Há um esforço do pessoal dessa área de tentar usar resultados empíricos consolidados da psicologia experimental (social, mas sobretudo sobre tomada individual de decisão) para melhorar os “pilares” psicológicos presentes em modelos teóricos da ciência econômica em uma ampla variedade de tópicos. Economia comportamental, portanto, não é um estudo da irracionalidade humana ou uma teoria heterodoxa/alternativa da economia. É um pedaço da literatura científica da área focada em enriquecer a profissão sob a expectativa de que isso melhorará a capacidade de entendimento e previsão dos modelos que fazemos. A área é relativamente jovem e ainda está focada – pelo menos no universo acadêmico – em mapear e entender as implicações desses elementos psicológicos quando introduzidos nos modelos tradicionais. A aplicação é a que todo modelo – e a análise empírica que ele governa – tem; qual seja: entender uma ampla família de fenômenos econômicos – desde o nível de poupança e investimento de uma economia, passando por entender por que as pessoas falham em cumprir objetivos desejáveis de longo prazo, até o porquê de algumas políticas públicas (como programas de vacinação) terem impacto abaixo do desejado.

 

2 Às vésperas das eleições, o eleitor toma decisões pelos mais variados motivos. Em que sentido a economia comportamental pode explicar – ou mesmo informar – a escolha por este ou por aquele candidato?

A ciência econômica em geral está mais preocupada em entender o porquê de as pessoas escolherem como escolhem, do que propriamente criar um framework de decisão universal para informar as pessoas como decidirem em favor de um ou de outro candidato – e nisso, obviamente, a economia comportamental não é diferente.

Não por acaso – e pensando no aparente processo decisório do eleitor mediano –, nem é preciso invocar nada “comportamental” para explicar como as pessoas costumam escolher seus candidatos. Um modelo simples, padrão, de decisão consegue dar conta disso, se aceitarmos – como parece ser razoável – que a vasta maioria das pessoas escolhe seu candidato por um processo que pode ser visto como uma espécie de comparação de várias dimensões com pesos subjetivos e individuais, gerando para cada candidato uma espécie de “nota subjetiva” que se parece com uma média ponderada (“isso tem importância de 20% e dou nota 4; isso tem importância de 50% e dou nota 7; e isso em importância de 30% e dou nota 6, chegando em uma nota 6,1”).

Claro que ninguém faz conscientemente essa conta. Mas é possível conjecturar que a decisão pode ser descrita como sendo produzida “como se” o processo fosse esse.

Seja como for, há contudo algo em economia comportamental que traz uma mensagem relevante para os eleitores: somos propensos a olhar apenas para as evidências que confirmam nossas crenças e nossas inclinações (viés de auto-confirmação). Ampliar o horizonte de fonte de informações, e se policiar para tentar ouvir o contraditório, pode ser importante para minimizar a possibilidade de “erro” – muito embora “erro” em uma eleição seja algo extremamente difícil de avaliar ex ante.

 

3 Muitos eleitores desconfiam dos institutos de pesquisas, de suas metodologias e, principalmente, dos resultados. Poderia explicar como funcionam essas sondagens e o que elas de fato representam? Por fim: há razão para tanta desconfiança?

É preciso qualificar essa desconfiança – parte dela, dependendo de qual dimensão se está desconfiando, é compreensível; parte dela é infundada e parece refletir um desconhecimento de estatística e do processo de inferência de traços populacionais a partir de amostras da população (e não de um censo).

A Estatística estabeleceu matematicamente que é possível conhecer com grande acurácia a distribuição de um traço de uma população a partir apenas de uma amostra dela. Essas sondagens de intenções de voto funcionam dentro dessa lógica. Há, contudo, várias formas de amostragem probabilísticas de uma população, e cada forma produz um tipo de “erro” – que no sentido estatístico significa a margem de discrepância entre a estimativa do traço populacional a partir da amostra e o valor do traço em um censo populacional.

A estimação fica mais complicada no caso em que, a partir das intenções de voto, tentamos estimar o percentual de votos de fato que um candidato receberá nas urnas, porque estamos tentando estimar um parâmetro dinâmico, que pode mudar – e em geral muda – ao longo da campanha eleitoral.

Esses “erros” apontados nas enquetes e eleições do passado – diferenças entre os resultados dessas enquetes e o resultado das urnas – continuarão a ocorrer. Por quê?

Muitos podem pensar que tudo se deve a erros de amostragem. Mas vale lembrar que pesquisas eleitorais se fiam em duas hipóteses:

1) Que o entrevistado sabe como votará na urna.

2) Que não há razão para que o entrevistado não seja sincero na revelação de suas preferências.

As duas hipóteses, no entanto, são provavelmente falsas para uma fração não desprezível dos entrevistados.

Nem todo mundo prevê acuradamente seu próprio comportamento em escolhas reais (o que está na origem do “hypothetical bias”, fenômeno que ocorre quando o que se diz em escolhas hipotéticas não é o que se faz quando a escolha é real). Tampouco deve ser verdade que não há incentivos (não-financeiros) para que alguns dos entrevistados “escondam” suas preferências ao entrevistador. Alguns entrevistados podem ter crenças próprias sobre como será mal/bem visto pelo entrevistador se declarar/não declarar voto no candidato X ou Y, e responder em consonância com essas crenças.

São por essas razões – i.e., pelo “viés do hipotético” – (também, porque há outras razões, como mencionado, relacionadas à amostragem) que os resultados da urna costumam divergir dos resultados dessas enquetes. Mesmo com essas limitações, pesquisas eleitorais são obviamente guias úteis. Na média elas acertam, tanto mais quando estão próximas do dia da eleição. Dizer que são falsas porque diferem da votação de fato é simplesmente pura incompreensão.

 

4 Um exemplo usado entre os céticos para desconsiderar a credibilidade dos institutos de pesquisa é o eleição de Donald Trump, um case particularmente notável, entre os erros de projeção. Você acompanhou a campanha eleitoral americana e pode comentar sobre as pesquisas e o erro – se é que de fato houve erro?

Não acompanhei, e seria necessária uma análise mais detalhada dos dados das várias pesquisas feitas ao longo da campanha para saber os possíveis candidatos à explicação dos “erros” de projeção.

 

5 Como lhe parece o cenário eleitoral brasileiro: teremos segundo turno e, num segundo turno, o favoritismo do atual primeiro colocado nas pesquisas, Jair Bolsonaro, tenderá a se confirmar?

As enquetes mais recentes dos grandes institutos sugerem que teremos um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad. Sugerem também que Haddad (na verdade, quase qualquer outro) vencerá Bolsonaro. Parece bastante improvável que esse cenário não se confirme – seria necessário um movimento em massa dos eleitores para uma das outras candidaturas competitivas para gerar uma outra disputa de segundo turno, algo que envolve um problema de coordenação coletiva sem solução fácil no tempo que resta até a votação de primeiro turno – e digo isso porque muitos eleitores estão insatisfeitos com a possibilidade de um dos dois ocupar a presidência, que inevitavelmente acontecerá com esse cenário.

Dito isto, as enquetes eleitorais também indicam que uma grande massa do eleitorado (cerca de 40%) ainda está aberta a mudar de voto. Também é difícil prever que eventos surgirão ao longo do segundo turno – eventos que podem mudar radicalmente as preferências dos eleitores e fazê-las se distanciarem do que está sendo declarado como intenção agora. Nesses eventos, estão necessariamente inclusos as alianças política que serão feitas entre os adversários do primeiro turno em torno dos candidatos que irão ao segundo turno e, como sempre, o fôlego financeiro e da capilaridade territorial de apoio que as campanhas tem na determinação do resultado.

 

6 Quais outros livros, artigos ou cursos você indicaria para quem quiser aprender e se aprofundar no estudo da economia, em sentido geral, e na economia comportamental, em particular? Por fim, mas não menos importante: quais os grandes autores na área?

Recomendo qualquer bom livro introdutório de economia. Gosto pessoalmente do livro Economics do Daron Acemoglu, David Laibson e John List (três dos economistas mais influentes e produtivos da profissão). O livro Princípios de Economia do Gregory Mankiw é um “clássico” adotado mundialmente nos melhores cursos introdutório de economia (há uma tradução em português).

Para o leitor interessado em algo um pouco mais informal, recomendo o livro Basic Economics: A Citizen’s Guide to the Economy do Thomas Sowell (há uma tradução em português).

Em economia comportamental, recomendo o Misbehaving – The making of Behavioral Economis do Richar Thaler.

Os grandes autores da área são muitos – todos os autores dos livros citados acima estão nesse “hall da fama”. Mas há dezenas de outros, duas dezenas pelo menos para cada área, e existem dezenas de áreas. Recomendo ao leitor interessado que procure nas revistas científicas da área.

(O entrevistador recomenda o livro do próprio Sérgio Almeida: Pode não ser o que parece.)

 

 

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]