"GI JOE - Comandos em Ação -- O Filme" (1987) -- YouTube| Foto:

Gilmar Mendes, O Melífluo, fez em Portugal o que mais sabe fazer: declarou coisas. Quando se aposentar, deveria exercer a profissão de entrevistado. Não de entrevistador: de entrevistado.

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Afirmou que a decisão sobre o pedido de habeas corpus de Lula poderá “gerar incompreensão”. Tá bom, Gilmar.

Disse também que a prisão de Lula “mancha a imagem do Brasil”. Concordo com Gilmar e não abro. Só que ele por um motivo, eu por outro.

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Para ele, parece manchar a imagem do Brasil o fato de que Lula seja condenado e preso. Se percebi sua intenção, não é bom que Lula seja condenado e preso. Para mim, Lula mancha a imagem do Brasil – e por isso mesmo seria bom que fosse preso.

Ou, por outro lado, sua prisão não mancha a imagem do Brasil coisa nenhuma: que um condenado seja preso é o que se espera de um judiciário independente e com todos os sinais vitais em dia.

Gilmar também alertou: “Se alguém torce para a prisão de A, precisa lembrar que depois vêm B e C.”

Que sugestivo.

Se “A” é o Lula, “B” e “C” seriam quem – Aécio Neves? Eduardo Cunha? Michel Temer?  Alcides Ghiggia? E isso terá sido uma espécie de aviso, de ameaça, de recado? Por mim tudo bem. Que seja preso quem tiver de ser preso – respeitado o devido processo legal, a presunção de inocência, a mais ampla defesa e o longo etecetera recursal de que nosso país é farto e feito.

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O que causa controvérsia é o entendimento mais ou menos generoso do princípio da presunção da inocência. De acordo com muitos juristas, a Constituição não permite a prisão antes do trânsito em julgado e, portanto, antes de esgotados todos os (infindáveis e tantas vezes protelatórios) recursos. Outros muitos juristas, entretanto, observam que o princípio não é violado de maneira nenhuma, afinal de contas, a investigação, a produção de provas, a ampla defesa: tudo já foi feito e bem feito até a condenação em segunda instância. O mérito já foi julgado uma vez e confirmado num segundo julgamento.

Esse parecia ser o entendimento da Corte – e, voilà, do ministro Gilmar Mendes – quando provocada em 2016:

Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado. Em princípio se diz que se pode executar a prisão com decisão de segundo grau. Uma coisa é termos alguém como investigado. Outra coisa é termos alguém como denunciado, com denúncia recebida. Outra coisa é ter alguém com condenação e agora com condenação em segundo grau. Quer dizer, o sistema estabelece uma progressiva de ‘ruição’, vamos chamar assim, da ideia de presunção da inocência. E nós sabemos da nossa experiência. Amanhã um sujeito planta um processo qualquer, embargos de declaração, e aquilo passa a ser tratado como rotina a despeito… O processo ainda não transitou em julgado, vamos examinar. E daqui a pouco sobrevém uma prescrição, com todas as consequências e o quadro de impunidade. Eu acho que os presídios brasileiros vão melhorar daqui para a frente, porque se descobriu que se pode ir para a cadeia, doutor Kakay – disse o ministro na ocasião.

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Mais do que o mérito de toda essa quizumba jurídico-institucional, o que chacoalha a paciência do povo e atiça desejos inconfessáveis da audiência é esse tipo de fala, de sugestão, de tergiversação melíflua, como quem diz uma coisa para dizer outra; como quem julga uma coisa para julgar outra; como quem afirma para negar ou nega para afirmar.

A tese a ser discutida no affair Lula terá repercussão em tantos outros casos. Que se invoque o texto constitucional para impedir a prisão depois de segunda instância e antes do trânsito em julgado talvez seja menos preocupante – na verdade, é até certo ponto justo o entendimento, embora eu não concorde com ele – do que fazê-lo tal como está sendo feito.

A Constituição Federal é um diploma político. É desse modo e poderia ser de outro; tem esse artigo e poderia ter outro; é mais rigorosa aqui e flexível ali, mas poderia ter sido o contrário disso. Muito naturalmente, ministros e demais profissionais do Direito devem trabalhar de acordo com o texto constitucional e evitar, tanto quanto possível, o laxismo hermenêutico; entretanto, em momentos de turbulência como os que ora vivemos, em que guardiões de um texto mais parecem agentes-duplos, é inevitável que em meio à tecnicalidade do Direito se discuta a legitimidade do texto, a fertilidade política da Carta, a sinceridade dos protagonistas e coadjuvantes envolvidos. Mudanças bruscas no entendimento jurisprudencial querem dizer mais que o que dizem explicitamente. A oportunidade anda muito próxima do oportunismo.

Nossa extensiva e prolixa Constituição pretendeu dizer tudo e parece dizer cada vez menos, vítima da pretensão desmesurada dos legisladores; e sobretudo: foi uma resposta ao arbítrio do período militar e ao descaso com as causas sociais, de acordo; porém, passados trinta anos, eivada de emendas e interpretações espúrias, resta cada vez menos acreditada e pacificadora.

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Por outro lado, há que se ponderar o seguinte: nossos problemas não são essencialmente jurídicos, mas políticos. Que Lula seja condenado e preso, ou condenado e solto, é uma questão menor diante do fato de que Lula ainda apita alguma coisa no cenário eleitoral.

A Lava Jato não poderia ter – e temo que venha a ter – o mesmo destino da Operação Mãos Limpas: uma grande faxina que bagunçou muito, trocou os móveis de lugar e limpou muito pouco. A política italiana que aproveitou o vácuo de poder depois daquelas célebres investigações provou que o problema é sempre mais complexo – cultural, ético e político – do que gostamos de admitir.

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Também não ajuda que representantes das Forças Armadas troquem figurinha no Twitter sobre uma possível intervenção militar, como garotinhos brincando de “Comandos em Ação”, a depender do resultado do julgamento. Militares precisam de prudência e credibilidade, não de mídias sociais.

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“O senhor é a mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia” – disse Luís Roberto Barroso a Gilmar Mendes, dias atrás. Nunca as expressões “o trapo falando do rasgado”, ou “o sujo falando do mal lavado” fizeram tanto sentido.