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Na disputa retórica entre piratas, o Rio de Janeiro é só um detalhe
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A intervenção federal mais ou menos improvisada por Michel Temer fez sua primeira vítima: a reforma da Previdência. Pelo solavanco da carruagem, o que Temer pretendia – suspender um momentinho a intervenção, votar a reforma e intervir de novo – não vai funcionar. É a história do cobertor curto: para cobrir os pés do Rio de Janeiro deixa-se descoberta a cabeça do resto do país.

Não que eu seja contra a intervenção. Para ser bem sincero, nem sei o que pensar dela. Que não é solução em sentido estrito, não é; entretanto, ignorar o estado de coisas beirando o colapso não me parece boa ideia. Peca-se pelo excesso num estado que sempre peca pela falta. Embutida na decisão, a tentativa cada vez menos tímida do presidente de tentar se reeleger.

O que desanima é que muitos dos que estão contra ou a favor da medida, estão contra ou a favor pelos motivos errados. À direita e à esquerda o debate é pontual: se vai favorecer ou esvaziar o discurso dos candidatos (e interessados) respectivos. O Rio de Janeiro em crise é uma espécie de reino a ser disputado numa guerra ardilosamente retórica. O Rio de Janeiro, de fato, é um mero detalhe na corrida eleitoral.

Na ala canhota do desfile, o período militar é conjurado, como de costume. A ditadura militar foi um acontecimento fundamental para a própria sobrevivência da esquerda: se não tivesse acontecido, precisaria ser inventada. É a chantagem perfeita há trinta anos.

Para a direita, ou esse arremedo de direita feito de retalhos ideológicos e nostalgias guerreiras, a verdadeira solução está numa verdadeira intervenção: não federal ou civil, mas militar. Os tanques têm de circular no Rio de Janeiro com a mesma regularidade dos táxis e do Uber.

Isso me fez lembrar a reação aos dois filmes de José Padilha, Tropa de Elite I e II. O primeiro fez do Capitão Nascimento, mezzo fascista mezzo herói, queridinho da ala “bandido bom é bandido morto”. O segundo, ao desembrulhar as estruturas sociais e políticas que sustentavam (e condicionavam) o Capitão Nascimento, caiu nas graças dos foliões de esquerda.

Padilha foi acusado de trair os anseios ideológicos de uns e outros. No fundo, o que ele propunha no filme é o que se passa no Rio de Janeiro e, por extensão, no país: o crime é um fenômeno moral, mas também político e institucional. A direita erra quando acredita que coturnos e cadeias resolverão o problema; a esquerda erra quando acredita que o tráfico é resposta legítima, romântica, aos coturnos e às cadeias.

 

 

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