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O admirável escritor das neves

Apesar de Robert Walser (1878-1956) ser um dos escritores preferidos de dois dos meus ídolos literários (Enrique Vila-Matas e Franz Kafka), eu vinha adiando a leitura de suas obras. Comecei a lê-lo somente agora, com o lançamento de Os irmãos Tanner (Companhia das Letras, tradução de Sergio Tellaroli, 286 páginas).

De certa forma, acabei seguindo, involuntariamente, os passos do protagonista, Simon Tanner, um jovem indeciso, que vai adiando a estabilidade em algum emprego, mantendo um relacionamento pouco duradouro com a família e apenas caminha, caminha, indo de um lugar a outro sem muita paragem, esticando a vida. Assim eu ia, pulando de um livro a outro, e deixando meu exemplar de O ajudante, outro romance do escritor, intocável na prateleira (e ainda está).

Para Vila-Matas, em um perfil de Walser no livro Para acabar con los números redondos, a prosa do escritor suíço é assim, “no va a ninguna parte, sólo se estira y estira como quien sale de una siesta y quiere darle alegría al cuerpo”. Qualquer semelhança com O castelo, de Kafka, não deve ser coincidência.

Os irmãos do título são cinco (inspirados na própria família do escritor): Simon, o protagonista, Klaus, Kaspar, Emil e Hedwig, a única mulher. Eles vão aparecendo (menos Emil, internado num hospício, e que é apenas mencionado por outros personagens) conforme as deambulações de Simon vão se sucedendo.

Kaspar, um pintor, divide um apartamento com Simon durante um tempo, até este, claro, resolver mudar de vida e conseguir um emprego: “Há um certo sentido em viver como a maioria. Essa minha ociosidade e singularidade estão começando a me irritar”.

Simon acaba indo, durante um inverno rigoroso, à casa de Hedwig, que trabalha como professora num povoado bem afastado, onde há muita neve. Ela o ampara, deixando-o morar ali. Quando percebe que ele vai embora, não faz nada para impedi-lo e o aconselha: “Tente se tornar um bom homem. Meta-se em assuntos públicos, faça que falem de você (…). Ou siga vivendo como você pode e sabe, permaneça na escuridão, lute na escuridão com os muitos dias ainda por vir”.

Klaus, mais velho e responsável, tem uma vida mais estável como pesquisador universitário, e é quem chama a atenção do irmão quando faz uma vista a Hedwig e o encontra por lá. Sobre o que as outras pessoas pensam de seu comportamento errático, ele diz: “De você, elas sempre pensam: ele devia levar uma surra; uma bela surra é o que ele merece! Espantam-se e não compreendem como é que você ainda não mergulhou num abismo. A ninguém ocorreria compadecer-se. De modo geral, consideram-no um rapaz despreocupado, abusado, e feliz. É isso mesmo?”

Não temos uma reviravolta na vida do protagonista. Nada de clímax e desfecho que surpreenda. O romance termina, de certa forma, como começa. Paradoxalmente, Simon, um personagem volúvel, é plano, previsível. Chega a nos irritar com seu comportamento. Permanece na escuridão. Talvez isso tenha feito com que não me entusiasmasse muito com a leitura de Os irmãos Tanner. Sofro um pouco com isso de ler os muitos elogios de terceiros a um autor e criar uma expectativa exagerada. É um romance, porém, que trata do indivíduo, de como ele pode lidar com uma sociedade que não o entende, ou de como pode fugir dela. É uma faceta do ser humano, e é sobre o ser humano e seus defeitos de que trata a boa Literatura.

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Cassionei Niches Petry é Mestre em Letras-Leitura e Cognição, professor de Literatura e Línguas Portuguesa e Espanhola no Ensino Médio. Autor dos livros de contos “Arranhões e outras feridas” (Multifoco) e “Cacos e outros pedaços” (Penalux), do romance “Os óculos de Paula”, (Livros Ilimitados) e do livro de crônicas e ensaios “Vamos falar sobre suicídio?” (Kindle/Amazon). Atualmente, é colunista do site Digestivo Cultural, Portal Entretextos e colabora com o Caderno de Sábado do jornal Correio do Povo, de Porto Alegre – RS.

 

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